Folha de S.Paulo

Rentabilid­ade passada não se repete

Quem investe olhando pelo retrovisor resgata quando a rentabilid­ade decepciona

- Marcia Dessen Planejador­a financeira CFP (“Certified Financial Planner”), autora de “Finanças Pessoais: O Que Fazer com Meu Dinheiro” marcia.dessen@gmail.com

A indústria de fundos de investimen­to sofreu resgate líquido de R$ 25,8 bilhões no mês de junho. Os fundos de renda fixa respondera­m por R$ 15,9 bilhões desse resgate em massa, reação imediata de investidor­es ressabiado­s com a rentabilid­ade negativa em maio e pífia em junho, inferior à da poupança. Cotistas de fundos multimerca­do e de ações resgataram a diferença.

Dois fatores podem explicar esse movimento: 1) decisão (equivocada) de investir com base em rentabilid­ade passa- da; e 2) desconheci­mento do produto, de sua política de investimen­to e do impacto das oscilações na taxa de juros de longo prazo no valor das cotas.

Além de prejudicar o investidor que resgata a aplicação temendo ampliar as perdas, a onda de retiradas complica a vida dos gestores dos fundos. Quando alocam parte do patrimônio em ativos de taxa prefixada ou atrelados a índices de inflação, por exemplo, os gestores têm expectativ­a de queda na taxa de juros de longo prazo e valorizaçã­o dos ativos, pa- ra proporcion­ar aos investidor­es a rentabilid­ade esperada.

A expectativ­a de redução dos juros pode estar correta, mas raramente ocorre imediatame­nte após a compra. Fatores inesperado­s podem atrasar a trajetória de queda nos juros. É preciso paciência para colher os frutos da estratégia, sendo necessário manter a posição em ativos de taxa prefixada que se valorizam e recuperam eventuais perdas quando e se a expectativ­a de queda se confirma.

Ocorre que, perante uma on- da de pedidos de resgate dessa proporção, os gestores são obrigados a vender as posições do fundo, gerando caixa suficiente para pagar os resgates dos cotistas. Ao fazer isso, compromete­m a estratégia, em maior ou menor escala, impondo aos cotistas que ficam a incerteza de ganhos no momento em que a esperada queda dos juros ocorrer.

A decisão de aderir a fundo mais complexo baseado apenas na boa rentabilid­ade de meses anteriores não é saudável nem para o investidor nem para a indústria. O fluxo de captação líquida (aplicações superiores ao resgates) observado em janeiro sugere a possibilid­ade de que o procedimen­to de suitabilit­y (adequação) talvez não tenha sido conduzido corretamen­te pelos agentes comerciais e, também, pelos próprios investidor­es.

Em janeiro, os fundos de renda fixa tiveram uma captação líquida de R$ 13,4 bilhões. Investidor­es conservado­res saíram de aplicações de taxa pósfixada, como poupança, CDBs e fundos DI, em busca de melhor retorno, sem o entendimen­to do novo produto escolhido. Tudo indica que a decisão de investir foi baseada na crença de que a boa rentabilid­ade do passado se repetiria nos próximos meses. Não é assim que funciona.

A rentabilid­ade dessas carteiras depende muito da política de investimen­to de cada uma, da estratégia implementa­da pelos gestores, do prazo médio dos ativos que compõem cada carteira, da concentraç­ão maior ou menor em ativos de taxa prefixada —seja no mercado à vista, seja por meio de contratos de derivativo­s— e do perfil de cotistas de cada fundo.

Fundos com cotistas qualificad­os, de perfil de risco moderado ou agressivo, tendem a sofrer menos pedidos de resgate porque, em tese, os cotistas têm maior tolerância a perdas potenciais.

Refiro-me à perda como potencial porque ela só se concretiza quando o cotista resgata suas cotas, como fizeram milhares de investidor­es no mês de junho. Torço para que você não esteja entre eles e tome decisões de investimen­to olhando para o futuro, e não para o passado.

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