Morre Sergio Marchionne, que salvou a Fiat da falência
Ítalo-canadense reergueu montadora ao fundi-la com a deficitária Chrysler
Sergio Marchionne, presidente-executivo ítalo-canadense que salvou a montadora italiana Fiat da falência e a fundiu com a deficitária montadora americana Chrysler, morreu nesta quarta-feira (25), aos 66 anos, de complicações de uma cirurgia.
Um dos líderes empresariais mais audaciosos de sua geração, Marchionne era um negociador consumado, conhecido por sua capacidade de trabalhar sem parar e pela sua mente aguçada.
Jogador de pôquer, seus colegas falam de voos transatlânticos insones nos quais o chefe queria sempre jogar —e vencer— mais uma mão.
A mesma paixão definiu seu improvável resgate da Fiat, por meio de uma audaciosa fusão com a Chrysler que salvou ambas as empresas e criou o sétimo maior grupo automobilístico do planeta.
Ele persuadiu a GM a pagar US$ 2 bilhões (o equivalente hoje a R$ 7,4 bilhões) para escapar de um contrato que a forçaria a adquirir a Fiat, quase falida, em 2005, e em seguida capturou a problemática Chrysler, em 2009, da qual tomou controle pleno em 2014.
Marchionne jamais perdeu o apetite pela próxima transação ousada —e, quanto mais complicada, melhor. Desde o início, se retratou como um sujeito original, disposto a fazer o inesperado, o que incluía a rejeição aos tradicionais ternos, substituídos por macacões e camisas sociais.
“Ele era extremamente duro, exigente”, diz Luca di Meo, ex-presidente das marcas Fiat e Alfa Romeo, e hoje na Seat, parte do grupo Volkswagen.
“Mas sempre pedia mais de si mesmo do que dos outros. Quando você age assim, se torna mais do que um chefe —se torna um líder.”
Para os investidores na Fiat Chrysler, especialmente a família italiana Agnelli, a maior acionista do grupo, ele fez fortunas. O valor de mercado da Fiat, incluindo subsidiárias cuja cisão ele promoveu, como a Ferrari, subiu 1.000% sob o comando de Marchionne.
Nos últimos anos, o líder da Fiat, cujo sotaque tipicamente canadense atraía multidões às suas palestras em salões de automóveis e às suas entrevistas coletivas, deixava todo o mundo ansioso por ouvir seus comentários de humor ácido.
Ele foi o precursor das grandes fusões entre montadoras de primeira linha, com o objetivo de reduzir o excesso de capacidade do setor e combater a disparada nos custos.
Dois meses atrás, no que se esperava fosse sua reunião final com os investidores da Fiat Chrysler antes da aposentadoria, ele alertou sobre a necessidade de o setor confrontar a ameaça dos carros autônomos e da eletrificação.
“Não há nada de nobre em ser superior aos demais seres humanos; a verdadeira nobreza está em superar o seu eu passado”, disse Marchionne, citando Ernest Hemingway, o clássico escritor macho alfa.
Na atual geração de líderes do setor, só Carlos Ghosn, da Renault, está no poder por mais tempo.
Marchionne iria se aposentar em abril de 2019.
Nascido em 1952 em Chieti, na região de Abruzzo, no sul da Itália, Marchionne emigrou quando jovem para Toronto, com mãe e pai.
Lá, aos 14 anos, se reuniu com membros de sua família que haviam fugido da Itália depois de sobreviver a atrocidades nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.
Marchionne entrou na órbita dos Agnelli quando foi descoberto por Umberto Agnelli, irmão de Gianni Agnelli, o patriarca da Fiat. Umberto Agnelli estava em busca de alguém capaz de salvar a empresa.
Agnelli reparara que Marchionne, que estava trabalhando na Europa, havia conquistado “enorme sucesso” na recuperação do grupo de serviços industriais suíço SGS. Marchionne se tornou parte do conselho da Fiat em 2003.
Um ano mais tarde, foi selecionado por John Elkann, o herdeiro dos Agnelli, que então tinha 28 anos, como presidente-executivo da Fiat.
Contrariando as probabilidades, ele conseguiu tirar a montadora, que sofrera prejuízo de € 6 bilhões (R$ 22 bilhões) em 2003, do vermelho em dois anos, com medidas de corte de custos e demissões.
Em 2009, Marchionne obteve o apoio do então presidente dos EUA, Barack Obama, que entregou à Fiat uma participação acionária de 20% na Chrysler, em lugar de permitir sua falência.