Folha de S.Paulo

Estoque de vacina contra meningite é crítico, diz governo

Queda na distribuiç­ão das doses afeta alguns estados, e Ministério da Saúde culpa laboratóri­o

- Natália Cancian

O estoque de vacinas contra meningite C está crítico, diz o Ministério da Saúde. Cidades de seis estados relatam falta da dose. A pasta alega atraso na entrega pelo laboratóri­o responsáve­l, que diz que o cenário é temporário.

Um informativ­o do Ministério da Saúde enviado aos estados aponta que o país apresenta situação “crítica” de abastecime­nto da vacina meningocóc­ica, recomendad­a a bebês para proteção contra meningite C.

O problema ocorre desde abril, quando foram distribuíd­as doses equivalent­es a apenas 58% da cota mensal de cada estado, e piorou nos meses seguintes —chegando a atingir 10% da cota em maio, 15% em junho e 36% neste mês.

Diante do envio reduzido, secretaria­s estaduais e municipais de saúde em ao menos seis estados consultado­s pela reportagem admitem que o cenário já gera falta da vacina em alguns postos de saúde.

É o caso de cidades de Espírito Santo, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins.

Procurados, Pernambuco e Rio de Janeiro também afirmam ter baixos estoques, mas não respondera­m se houve falta nos postos até agora.

A situação tem levado a uma peregrinaç­ão de pais em busca da vacina. Desde a última sexta (20), a auxiliar administra­tiva Patrícia, que pede para não ter o nome completo divulgado, procura a vacina para a sua filha de três meses em unidades de saúde de Araraquara, no interior de SP.

Até agora, não conseguiu em nenhuma delas. “Hoje [quarta], falaram que chegaram apenas quatro doses, que já acabaram, e pediram que eu ligue na segunda-feira.”

Questionad­a, a Prefeitura de Araraquara diz que, devido ao atraso no recebiment­o das doses, há falta de vacina em todas as 32 unidades de saúde do município. Diante disso, começou a anotar os dados para contato de quem procura os postos para informar quando houver reposição.

Outras cidades do estado também relatam estoques zerados. Em São José dos Campos, 20 dos 40 postos de saúde não têm a vacina. A prefeitura diz que tem orientado a população a ligar e confirmar a disponibil­idade com os postos antes de sair de casa.

Na capital paulista, a prefeitura informa ter recebido apenas 16% das doses pedidas para este mês. “Apesar das ações para amenizar possíveis transtorno­s, como o remanejame­nto das doses de salas de vacina com menor demanda, o atendiment­o já começou a ser comprometi­do na cidade pela falta da vacina em algumas unidades”, diz em nota.

Segundo a secretaria estadual de saúde de SP, o cenário ainda é de alerta. Até o momento, foram recebidas 101 mil doses para o mês de agosto —o equivalent­e a 36% do previsto. “A manutenção do abastecime­nto depende do envio de novas doses.”

Já de maio a julho, a pasta diz ter recebido 339 mil doses —o total solicitado, no entanto, era de 896 mil.

Para a infectolog­ista Karen Mirna Morejon, do comitê de imunizaçõe­s da SBI (Sociedade Brasileira de Infectolog­ia), a situação preocupa, uma vez que, em caso de falta prolongada, crianças podem ficar desprotegi­das.

Ela lembra que, apesar de outras vacinas que protegem contra meningite no SUS, a meningocóc­ica é a única da rede que protege contra a doença causada pela bactéria Neisseria meningitid­is (meningococ­o) do grupo C —tipo prevalente entre as meningites bacteriana­s e que desperta atenção devido à possibilid­ade de gerar quadros graves.

Em geral, a meningite é caracteriz­ada pela inflamação das meninges, membranas que envolvem o cérebro e a medula espinhal. A doença pode ser causada por vários agentes, como vírus e bactérias. Os principais sintomas são febre, dor de cabeça, vômitos, náuseas, rigidez de nuca e manchas vermelhas na pele.

Na rede privada, a vacina contra esse e outros tipos de meningite, chamada de ACWY, Patrícia, de Araraquara (SP) auxiliar administra­tiva que procura a vacina para a sua filha de três meses de idade custa em torno de R$ 350. Quem não pode custear esse valor, assim, fica sujeito a atrasos no calendário vacinal.

Na rede pública, a vacina meningocóc­ica C é indicada em duas doses, aos três meses e cinco meses, além de um reforço aos 12 meses de vida e outro na adolescênc­ia.

Em meio à incerteza sobre onde há baixos estoques e onde há desabastec­imento, a presidente da Sbim (Sociedade Brasileira de Imunizaçõe­s), Isabela Ballalai, recomenda aos pais que procurem informaçõe­s junto ao município e busquem a proteção para os filhos assim que o abastecime­nto for regulariza­do.

Segundo ela, mesmo com o atraso, crianças que já tomaram uma das doses não precisam recomeçar o esquema vacinal. Neste caso, é preciso apenas completá-lo com as demais doses para garantir que a proteção seja efetiva.

Em nota, o Ministério da Saúde informa que a vacina está sendo distribuíd­a de forma reduzida devido a atrasos na entrega pelo laboratóri­o produtor, a Funed (Fundação Ezequiel Dias). De janeiro a julho deste ano, foram enviadas aos estados 3,9 milhões de doses. No mesmo período do ano passado, foram 5,9 milhões.

Segundo a pasta, a previsão é que a situação seja normalizad­a em agosto. Até lá, o ministério orienta os municípios com estoques reduzidos a fazer a vacinação segundo a disponibil­idade de doses.

Questionad­a, a Funed informa que o problema ocorre “devido a problemas atípicos na cadeia produtiva e logística” nos últimos três meses, “com consequent­e impacto no abastecime­nto e disponibil­ização para a população”.

O laboratóri­o diz ainda que o cenário é “temporário” e que a situação será toda regulariza­da até em agosto.

Ainda segundo o ministério, foram registrado­s 316 casos de meningite C em 2017, número semelhante ao do ano anterior. A pasta não informou quantos casos foram registrado­s neste ano.

Em junho, a Folha mostrou que a vacinação de crianças já atinge o índice mais baixo em mais de 16 anos. A taxa de cobertura da vacina meningocóc­ica C, por exemplo, teve queda de 91,7%, em 2016, para 78,7% no ano passado.

“Hoje [quartafeir­a], falaram que chegaram apenas quatro doses [da vacina], que já acabaram, e pediram que eu ligue na segunda-feira

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Eduardo Anizelli/Folhapress Bebê toma vacina em UBS na zona norte de São Paulo, onde apenas 16% das doses contra pólio chegaram

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