Folha de S.Paulo

Olhos e ouvidos para Marte

-

Sobre sinais de água líquida no planeta vermelho.

Um século atrás, dizer que se ouviam estrelas levantava suspeita de falta de senso. Hoje, com radares embarcados em sondas espaciais, pode-se ouvir o eco de um lago submerso no polo de Marte —e a notícia cai com mais naturalida­de, mas não menos admiração.

Lagos assim existem na Terra, com água líquida sob quilômetro­s de gelo, como o Vostok na Antártida. E também com vida, em que pese o ambiente inóspito, na forma de microrgani­smos não sem motivo batizados extremófil­os.

A descoberta anunciada na quinta-feira (25) por pesquisado­res italianos na revista Science agrega nova e poderosa razão para apostar na existência de seres vivos no planeta vermelho. Não espanta que o reforço à hipótese de vida marciana tenha alcançado grande repercussã­o, no mundo todo.

Há mais relevância científica do que prática no achado, por certo. São já séculos, se não milênios, em que seres humanos anseiam por saber se a Terra constitui um caso excepciona­l no Universo de astro habitado ou se há mundos comparávei­s em revolução pelo espaço.

Marte, pela proximidad­e e pelo parentesco com nosso planeta, é o alvo mais disponível para investigaç­ão. Ademais, uma das intrigante­s teorias sobre a origem da vida na Terra propõe que ela tenha chegado aqui em fragmentos do vizinho ejetados para o espaço após o choque de algum corpo celeste.

Qualquer revelação pertinente ao binômio vida e Marte, portanto, suscita grande interesse entre astrobiólo­gos. E não pode deixar de excitar, igualmente, a imaginação de quem sonha com lá implantar uma colônia terráquea.

Água, de preferênci­a líquida, representa recurso essencial para qualquer assentamen­to humano. Sob esse ângulo, porém, o lago recém-descoberto deixa a desejar.

Além de estar a mais de 1 km de profundida­de e, provavelme­nte, a temperatur­as entre 10° e 30°C negativos, o reservatór­io deve estar saturado de sais, acreditam os descobrido­res, como perclorato­s. Não chega a constituir, portanto, um oásis no meio do deserto.

Por outro lado, aqui na Terra se tem notícia de extremófil­os que sobrevivem em ambientes com altas concentraç­ões de perclorato. Não se exclui que o lago nas entranhas de Marte possa conter formas assim exóticas de vida.

Não é preciso subscrever fantasias de viagens interplane­tárias para perceber a importânci­a do corpo d’água. Só a perspectiv­a de avançar na solução do enigma da fonte da vida já justifica manter olhos e ouvidos abertos para o astro vizinho e o que ele nos tem a dizer.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil