Ilustrada Brasil tem que ter mais leitor que escritor, diz contista decano na Flip
Contista decano esteve em mesa com estreante Gustavo Pacheco; debate sobre feminismo marca 2º dia do evento
Foi em tom de conversa na varanda o encontro do decano Sérgio Sant’Anna com o estreante Gustavo Pacheco, na noite desta quinta-feira (26), na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty). Discutiram a relação com a criação dos contos e as particularidades da narrativa breve.
Em dado momento, o mediador, o jornalista Guilherme Freitas, perguntou como os dois se relacionavam com a literatura contemporânea.
Depois de dizer que lê tanto obras brasileiras quanto estrangeiras e contar que recebe muitos lançamentos em casa, Sant’Anna, um dos maiores autores brasileiros em atividade, arrancou risos da plateia: “Não tenho tempo de ler esses livros todos. Tenho a opinião de que no Brasil está se escrevendo demais. O Brasil tem que ter mais leitores e menos escritores”.
Bom lembrar: ele é um dos poucos escritores de sua geração a ler e comentar publicamente, em redes sociais, textos da nova geração literária.
A modéstia do autor de 76 anos, quando questionado sobre sua produção, fazia parecer fácil a arte da narrativa breve —mas ele é um escritor com tratamento rigoroso da linguagem. “Literatura é um ato de tremenda liberdade. Parece imaginação e é real. Parece real e é imaginação.”
O autor arrancou risos da plateia ao contar que optou por ser contista e não romancista porque se angustia ao escrever —e que, por isso, não seria bom escrever algo longo.
Ele, que publicou sete livros nos últimos cinco anos, afirmou ainda que quer escrever menos —embora o desejo de produzir permaneça.
Já Gustavo Pacheco, 46, que lança na Flip “Alguns Humanos” (Tinta da China) e tem despontado como uma das revelações da literatura brasileira, contou que Sant’Anna foi o primeiro escritor de carne e osso que conheceu, quando ainda estava na escola.
“Perguntei: ‘Os livros são tão caros no Brasil. Você como escritor não se preocupa com isso?’. E ele: ‘Não, eu me preocupo em escrever e isso já é o bastante’.”
Sant’Anna completa, em 2019, 50 anos de carreira literária. Questionado sobre o envelhecimento, destacou a importância que textos autobiográficos passaram a ter para si.
“Há as vivências de infância, minhas ruas de Botafogo, a minha paixão pelo Fluminense. É um privilégio. É como se você vivesse duas vezes. Uma quando você viveu, que é alucinadamente rápido, outra quando você escreve.”
A mesa homenageou o escritor carioca Victor Heringer, morto em março —um vídeo projetado no telão o exibia lendo um poema de Hilda Hilst —ele seria convidado para esta edição da festa.
Durante a tarde do segundo dia de Flip, o palco se transformou em palanque feminista.
O encontro entre a escritora argentina Selva Almada e a filósofa Djamila Ribeiro, expoente do movimento negro e feminista brasileiros, versou principalmente sobre a pluralidade e nuances do movimento feminista, sobre feminicídio e racismo, em especial contra mulheres negras.
Autora de “Quem Tem Medo do Feminismo Negro” (Companhia das Letras), Djamila explicou a sua dificuldade em compreender e nomear a sensação de inadequação que a perseguiu boa parte da vida.
“Foi um longo processo, doloroso e difícil, no qual fui desconstruindo o que tinham me ensinado que era ser negro. Passei muito tempo sem me aceitar, para tirar essa máscara do colonialismo. E descobri que não era tímida, mas era silenciada, quando comecei a ter contato com obras feministas negras.”
Filha e neta de mulheres que foram empregadas domésticas, a filósofa avaliou que o ciclo de opressão das mulheres negras em sua família foi quebrado em sua geração. “Nós, mulheres negras, fomos brutalizadas e sexualizadas. Mas não topamos mais negociar minha humanidade.”
Ela relatou episódios em que é confundida com funcionários de lojas ou sua intimidade é violada a partir de premissas machistas e racistas.
Já na mesa anterior, “Barco com Asas”, a celebrada poeta portuguesa Maria Teresa Horta, 81, participou da mesa por meio de vídeos e foi aplaudida de pé ao falar de sua luta feminista em Portugal.
Ela e as poetas Laura Erber e Júlia de Carvalho Hansen discutiram o ofício da poesia e a relação entre Brasil e Portugal na vida e na literatura.
Maria Teresa contou que chegou a ser agredida ao escrever, em 1972, “Novas Cartas Portuguesas”, manifesto contra a ditadura fascista. A obra foi alvo de censura, considerada “pornográfica”. Segundo a poeta, chegaram a lhe perguntar se ela não tinha vergonha por ter escrito a obra.
“Escrevo porque sou uma mulher livre. Juntas fizemos o primeiro movimento internacional feminista. A solidariedade faz parte do feminismo. Temos direito às mesmas
que os homens. Por que os homens não fizeram grandes coisas é que o mundo está nesse caos.”