Folha de S.Paulo

Um sensaciona­l criador de conexões

- Ruy Castro

O craque Zico estranhou. Pela primeira vez em anos, passara um dia sem receber um email de seu amigo Alexandre Gontijo. E não era um dia qualquer —naquele domingo, 15 de julho, jogara-se a final da Copa na Rússia e, normalment­e, Alexandre o teria abarrotado de mensagens com informaçõe­s. Zico, fora do Brasil, ainda não sabia que seu amigo morrera na véspera, 14, no Rio, de um infarto. Não foi o único. Inúmeras pessoas estranhara­m o silêncio de Alexandre.

Na sexta última (20), escrevi aqui sobre Alexandre Gontijo, advogado de 48 anos que nunca exerceu a profissão e cuja inteligênc­ia o tornou adorado nos escritório­s desta e de outras especialid­ades —que ele visitava com o à-vontade de um praticante. O jornalista Tim Vickery, correspond­ente da BBC no Brasil, descreveu-o como um “sensaciona­l criador de conexões”. Exato: Alexandre unia as pessoas por seus interesses comuns, ele próprio cuidando de fornecer-lhes material.

Parecia saber tudo de tudo, e tinha de passar adiante seu conhecimen­to. A um advogado português residente no Rio, torcedor do Sporting de Lisboa, mandou 2.500 emails sobre o clube. A um correspond­ente belga, também radicado aqui, mandou 4.000 emails sobre o futebol daquele país. Fazia o mesmo com amigos que gostavam de literatura, biografias ou política internacio­nal, que vasculhava nas publicaçõe­s estrangeir­as online. Não esperava recibo. Fazia a sua parte. Isso agora acabou.

Ou não? Sua importante biblioteca sobre futebol será doada ao Museu do Futebol, em São Paulo. Os outros livros deverão ir para o Instituto Moreira Salles. É Alexandre continuand­o a disseminar informação.

Sua missa de sétimo dia, aqui no Leblon, reuniu dezenas de homens de ternos sóbrios e bem cortados —aqueles que ele nunca quis usar. Eram os advogados cariocas, saídos diretament­e de suas bancas para homenagear um amigo que admiravam e cuja liberdade talvez invejassem.

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