Folha de S.Paulo

Chávez destravou diálogo de Colômbia e Farc

Segundo documentos, venezuelan­o foi 1º a saber da intenção de Santos pela paz, e guerrilha evitou reunião no Brasil

- Diego Zerbato

Três dias depois de assumir seu primeiro mandato, em 7 de agosto de 2010, o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, receberia seu então o homólogo venezuelan­o, Hugo Chávez (1954-2013), tentando recuperar a relação destruída pelos embates com Álvaro Uribe, antecessor e padrinho do novo mandatário.

No encontro em Santa Marta, no Caribe colombiano, porém, Santos manifestar­ia seu desejo de negociar a paz com as Farc (Forças Armadas Revolucion­árias da Colômbia), cujos acampament­os do outro lado da fronteira levaram à ruptura dos países em 2008.

A declaração de Santos deu início a uma mobilizaçã­o que teve Chávez como mediador e levaria ao início do processo de paz com a guerrilha. Os detalhes são contados em documentos até então secretos revelados nesta quarta-feira (25) pelo governo colombiano.

Em 6 de setembro, um mês depois da reunião em Santa Marta, Santos estabelece­u a voz do governo no pré-acordo: o empresário Henry Acosta, amigo de Pablo Catatumbo, um dos líderes da guerrilha.

Os dois trocavam cartas desde o governo Uribe, mas o guerrilhei­ro dizia não haver condições para o diálogo. Acosta transcreve­u conversa de Santos sugerindo que o primeiro encontro secreto fosse no Brasil ou na Suécia.

“Diga-lhe que eu já conversei com [Celso] Amorim e [Nelson] Jobim, ministros das Relações Exteriores e da Defesa do Brasil, e tenho todo o apoio deste país para que nos facilitem o território e a logística, a fim de realizar este encontro secreto”, disse o presidente.

Catatumbo, porém, respondeu com desconfian­ça. “Como vocês garantem que não haverá uma armadilha? Quais são, além das palavras, as garantias de Brasil e Suécia?”, disse.

“Poderiam nos dar mais confiança, como cenários possíveis, Venezuela ou Cuba, países com quem o governo tem excelentes relações. Por isso sugerimos um primeiro encontro em território colombiano na fronteira com a Venezuela, com a anuência do governo da república-irmã.”

E assim se fez: em 2 e 3 de março de 2011 as duas delegações se reuniram na localidade de Río de Oro, no departamen­to colombiano de Cesar. Os delegados das Farc partiram da Venezuela, com apoio chavista, para o encontro. Nele, definiriam que se encontrari­am em Cuba em 31 de maio.

Nos meses seguintes, porém, o Exército continuou seus ataques contra as Farc, matando dois combatente­s. Na Venezuela, apesar do respaldo de Chávez à guerrilha, dois líderes foram presos.

A inseguranç­a fez com que o grupo desistisse de enviar seu então vice-líder, Rodrigo Londoño, o Timochenko, à reunião em Cuba, que foi adiada. A ilha de La Orchilla, na Venezuela, seria cenário de tratativas em julho para destravar as negociaçõe­s, sem sucesso.

As ofensivas militares continuari­am. Em 4 de novembro, seria morto em um bombardeio o comandante da guerrilha, Alfonso Cano. Nos dias seguintes, Timochenko seria designado o substituto.

Com as negociaçõe­s paradas, Chávez pediria autorizaçã­o a Santos para receber o líder das Farc em encontro dos dois na cúpula da Celac (Comunidade de Estados LatinoAmer­icanos e Caribenhos) em 2 de dezembro, em Caracas.

Eles se reuniram na semana seguinte na capital venezuelan­a. A partir daí, retomaram os preparativ­os da negociação em Cuba, com mediação de Caracas, Havana, da Cruz Vermelha e da Noruega. A cidade venezuelan­a de Barinas sediaria uma reunião preliminar, em janeiro de 2012.

As delegações se veriam pela primeira vez na ilha comunista em 24 de fevereiro. Três semanas depois, Chávez voltaria a receber o líder das Farc. Nos meses seguintes seriam estabeleci­dos os marcos legais até que, em 4 de setembro, Santos e Timochenko anunciaria­m as negociaçõe­s de paz.

No preâmbulo da compilação de documentos, o alto comissário para a paz, Sergio Jaramillo, relata que as negociaçõe­s seriam impossívei­s sem a reaproxima­ção com os países vizinhos. “Por isso, um dos primeiros atos de Santos foi se sentar com Chávez como vizinhos responsáve­is para diminuir a tensão.”

O informe foi lançado por Santos, ganhador do Prêmio Nobel da Paz, duas semanas antes de passar o comando do país para Iván Duque, também afilhado de Uribe, que quer mudar o acordo com as Farc.

No dia 20, Santos pediu a Duque cuidar da paz. “Não podemos fracassar frente ao futuro da Colômbia e ao direito de nossos filhos e netos de viverem em um país normal.”

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Luis Acosta - 26.set.16/AFP Juan Manuel Santos saúda Rodrigo Londoño, o Timochenko, líder das Farc

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