História de líder do Femen deve servir de exemplo e inspiração
Na terça-feira (24), a cofundadora do movimento Femen, a ucraniana Oksana Shachko, 31, foi encontrada sem vida em seu apartamento. Ela havia abandonado o grupo e se tornado pintora em Paris
Como todo bom deprimido, li a notícia. Jovem, bonita. Militante desiludida, pintora em ascensão. O que aconteceu? Pesquisando reportagens antigas da imprensa francesa, entrevistas com amigos, posts nas redes sociais, um perfil foi se montando.
A família descobriu que, aos oito anos, Oksana era uma criança prodígio na pintura. Foi matriculada numa aula em que os colegas eram adultos.
Oksana conseguia se infiltrar nas igrejas de Kiev (por ser criança) para desenhar santos e mártires da iconografia cristã ortodoxa. Aos 12 anos, teria tido uma “crise de fé”. Ela pediu à mãe para ir para um convento para “se casar com Deus”. A mãe proibiu.
Aos 21, Oksana fez seu primeiro ato público pelo Femen na Ucrânia. Ela e algumas amigas ficaram de calcinha e sutiã para protestar contra a prostituição online.
Oksana pediu asilo político à França em 2013 e desde então vivia em Paris. Ela teve seu status de refugiada reconhecido após ser torturada por oficiais em Belarus em 2011, após um protesto do Femen. Ela e colegas teriam sido obrigadas e tirar toda a roupa numa floresta, tiveram combustível jogado sobre seus corpos por oficiais que ameaçavam atear fogo. Em seguida, tiveram os cabelos cortados à força.
Viver na França não foi garantia de segurança: em 2014, um skinhead invadiu um clube em que o Femen promovia uma festa e esfaqueou duas pessoas enquanto procurava pelos “líderes” do movimento. Segundo amigos, Oksana se sentiu culpada pelo resto da vida.
Em 2015, ela se desentendeu com os caminhos tomados pelo grupo que criou e resolveu voltar a se expressar pela pintura. Os ícones religiosos bizantinos voltaram, mas transfigurados após tanto tempo de militância contra a opressão da mulher, a homofobia, a xenofobia e outras bandeiras. Sua arte é puro sacrilégio.
“Ao descobrir que ela foi do Femen, eu estava cético a princípio”, disse o curador Azad Asifovich. “Mas era uma artista de verdade, que dominava técnicas muito especiais.”
Mesmo com o modesto sucesso que lhe rendeu citações em jornais, a vida continuava difícil. A amiga Apolonia Breuil, com quem morou por cinco anos, disse ao jornal Libération que ela morava num cubículo com apenas um armário e sofria com a solidão.
Numa entrevista em 2016, Oksana disse: “Amo minha liberdade na França, mas não é fácil ser refugiado, não poder ver minha família, minha mãe. O conflito na Ucrânia [alimentado por grupos pró-Rússia financiados por Putin] também não ajuda. Tive que encontrar novos amigos, a viver numa nova sociedade”.
Oksana, descrita como “sem medo e vulnerável” por uma colega de Femen, tentou suicídio duas vezes nos últimos anos. Exilada, sem ideologia, sem turma e sem dinheiro, sucumbiu à doença da depressão antes que pudesse ser ajudada (ou apesar da ajuda).
O mundo perdeu uma guerreira (concorde-se ou não com sua ideologia) “cujas cicatrizes estavam nas telas”, segundo crítico de arte do Le Parisien.
Que a sua história sirva de exemplo para quem ainda evita se cuidar da melhor maneira possível. E que também sirva de inspiração para quem acha que deve-se lutar por alguma coisa.