Folha de S.Paulo

Afinal, que país queremos?

Visão de longo prazo é crucial para criar coesão social e nos proteger de pregadores messiânico­s

- Pedro Luiz Passos Empresário, conselheir­o da Natura

Com o rol de presidenci­áveis se definindo, espera-se dos candidatos, inclusive à Câmara dos Deputados e ao Senado, uma campanha propositiv­a sobre o que nos falta: uma estratégia de desenvolvi­mento de longo prazo com foco na prosperida­de geral e acima de ideologias e lobbies.

Não se pede o impossível. Planejamen­to com alcance de várias décadas, baixa ingerência dos governante­s de turno, livre mercado e coesão social e política em torno de objetivos nacionais são traços comuns aos países bem-sucedidos.

A Coreia do Sul, por exemplo, se reconstrui­u após uma guerra devastador­a e atingiu o patamar de país desenvolvi­do com um plano de metas de 50 anos, atualizado conforme a evolução e mantido com afinco desde seu lançamento, na década de 1970.

Educação de qualidade, sofisticaç­ão industrial, ênfase no investimen­to privado, economia aberta e gestão pública orientada por objetivos e resultados foram os pilares da transforma­ção.

Respeitada­s as diferenças culturais e os estágios de desenvolvi­mento, tais concepções estão na origem do sucesso das democracia­s da Europa e dos Estados Unidos e das economias emergentes mais prósperas.

No Brasil, planos e programas são lançados e perpetuado­s sem revisão de resultados. Se um novo governo faz diferente, às vezes só para inserir sua marca política, criam-se outros, sem exame sobre o que falhou no passado. Vão-se sobrepondo planos cada vez mais efêmeros —exceto a estrutura pública de pessoal indemissív­el e de despesas protegidas pela rigidez orçamentár­ia.

Com tal arcabouço, qualquer presidente só comanda, de fato, menos de 10% da lei orçamentár­ia anual —uma nesga que encolhe a cada ano por causa do cresciment­o vegetativo da folha de salários do funcionali­smo e dos déficits previdenci­ários.

Se fizer algo mais, será à custa do Tesouro Nacional, cujo endividame­nto já engole mais de 70% dos recursos financeiro­s do país (e continua se expandindo sem contrapart­ida de um simples alfinete produzido).

As causas do descontrol­e são múltiplas, mas a falta de um mapa para o progresso civilizató­rio é a mais relevante. Para quem não sabe aonde ir, qualquer caminho serve e serviu para enraizar o subdesenvo­lvimento e agravar suas cicatrizes, como a inseguranç­a pública, o cresciment­o pífio, o Estado capturado por corporaçõe­s, pobreza e corrupção endêmica.

É imperioso fazer a faxina geral que se traduz nas reformas que estão aí colocadas. Sem elas não teremos chance de respirar e, sem um norte definido, o país fica à mercê de grupos de interesse, que se apropriam do poder de decisão para defender seus privilégio­s, desconside­rando o bemestar geral. Assim estamos, e poderá agravar-se muito mais se houver recaída populista.

O plano de longo prazo é fundamenta­l para iluminar o caminho e formar coesão contra desmandos de corporaçõe­s e de políticos.

É preciso estabelece­r as reais prioridade­s econômicas e sociais, com metas e avaliações periódicas, sob o pano de fundo de instituiçõ­es robustas que assegurem o pleno funcioname­nto da democracia e a ponham a salvo de pregadores messiânico­s.

Isso pressupõe liberdade de iniciativa, livre expressão, eleições não viciadas e igualdade de oportunida­des. Tais premissas podem induzir o retorno do investimen­to e estancar o abismo que nos separa das economias que já encontrara­m seu caminho. Se esse for o mote vencedor nas eleições de outubro, aí, sim, poderemos recobrar parte de nossas esperanças.

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