Folha de S.Paulo

Tudo em você é fugaz

Alavancada por xingamento­s, canção ‘Quero que Tu Vá’, da dupla Ananda e Joker Beats, começou a viralizar com a divulgação em grupos de WhatsApp

- Thales de Menezes

O sucesso repentino e desenfread­o na internet da música “Quero que Tu Vá” tem ingredient­es peculiares —o estouro de uma compositor­a jovem, a opção de lançar a canção pelos grupos de WhatsApp antes de outras redes e a concepção e gravação de um clipe de um dia para o outro, literalmen­te.

A batida consistent­e e a voz agradável da cantora são pontos a favor, mas sem o chamariz do refrão com palavrões ficaria difícil imaginar a enxurrada de envios da música pelo WhatsApp e os quase 12 milhões de visualizaç­ões de vários posts diferentes da canção no YouTube. Apenas o clipe oficial, lançado na última segunda (23), teve 2,5 milhões de exibições em três dias.

Os pais do fenômeno são Ananda e Joker Beats. Ela, Fernanda Gama Lins, 26, é estudante de jornalismo e hostess de uma casa noturna no Rio. Ele, Fábio Luis de Jesus, 38, é mais conhecido por seu outro pseudônimo, MC Koringa, com o qual gravou sucessos desde o primeiro estouro, em 2005, com o funk “Pedala Robinho”.

“Precisava criar um nome como produtor, para não misturar as coisas. Na produção, sou Joker Beats”, conta Koringa à Folha.

Ele pensou no refrão e na batida da música debaixo do chuveiro. Sempre toma banho com o celular ao alcance, para gravar essas inspiraçõe­s e trabalhar nelas depois. Um dia, mostrou o que chamou de “pré-refrão” a Ananda.

“Há uns seis anos, a gente se conheceu num show dele”, diz a cantora. “Um amigo nos apresentou. No final, a gente conversou e começamos a compor e a desenvolve­r esse material que só está aparecendo agora.”

Ananda complement­ou a letra, com temática clara de empoderame­nto feminino e os explícitos “vá tomar no cu” e “puta que pariu”. Como ela explicou ao parceiro, quis expressar uma ideia “muito global, coletiva”. Como o aumento exponencia­l dos seguidores de Ananda nas redes abrange vários tipos de público, ela acredita que não apenas as mulheres se sentem ligadas aos versos.

“Acho que um coletivo se sente representa­do. Não fiz a música para alguém, fiz pensando num coletivo, é uma resposta para muitas coisas. Contra preconceit­os variados, raciais, de gênero, de diferenças sociais. A gente acaba querendo mesmo que essas pessoas que agem desse jeito vão tomar naquele lugar.”

“Quero que Tu Vá” foi criada há três semanas. Ananda e Koringa a gravaram na mesma noite, e ele só foi dormir às quatro da manhã, depois de mandar o refrão para muitos grupos de WhatsApp.

No dia seguinte, acordou ao meio-dia e viu que o refrão não parava de voltar para ele, enviado por centenas de pessoas. Só então resolveu subir o áudio no YouTube.

“O Rafael Portugal [do Porta dos Fundos] na hora disse que aquilo era genial, e ele estava com o Thiago Ventura”, diz Koringa, ressaltand­o a ajuda desses amigos famosos no humor stand-up.

“Tudo que esses caras abonam vira sucesso. Então mandei para outros humoristas e aí tive uma outra sacada. Queria mostrar a reação das pessoas e pedi para que elas se filmassem ouvindo a música pela primeira vez. Aí pipocou no Instagram de todo mundo.”

Mas nenhuma repercussã­o foi tão poderosa quanto a provocada pelo post de Marília Mendonça, a cantora de maior sucesso no Brasil nos últimos meses. Marília estava furiosa com haters que afirmavam nas redes sociais que ela teria usado efeitos de Photoshop para parecer mais magra.

Para rebater os ataques, ela apareceu num post dançando, exibindo o corpo mais esguio. E a canção que serviu de trilha, soando no celular na mão dela, foi “Quero que Tu Vá”. Virou assunto no país inteiro.

No último domingo (22), Marília fez show no Rio e recebeu no palco os autores da música. “Eu não acreditei”, diz Ananda, que recebeu da sertaneja um agradecime­nto efusivo por ter escrito “um hino de libertação”.

No dia seguinte, segunda (23), o clipe oficial estreou no Multishow. Nesse turbilhão de sucesso instantâne­o, Koringa pediu ajuda a Chileno, diretor de clipes que assinou o registro visual de um grande sucesso do cantor, “Dança Sensual”, em 2012.

“Ele já está acostumado a que eu o coloque em rouba- das. Falamos que a música mal tinha sido lançada e já estava com seis milhões de acessos, então precisávam­os de um clipe para ser gravado na segunda e ficar pronto na terça. Chileno juntou sua equipe e na quarta o clipe já estava na mão da gravadora Universal.”

Ananda e Koringa já disponibil­izaram outra canção nas redes, “Dia Perfeito”, também de discurso um tanto raivoso, mas menos agitada e sem palavrões. Eles têm mais músicas prontas, suficiente­s para lançar já um EP, mas estão decidindo com a gravadora se devem soltar um grupo de músicas de uma vez ou um single após o outro. Enquanto isso, preparam um show com o material. Até agora, Ananda fez aparições nas apresentaç­ões do parceiro.

A cantora não quer forçar uma repetição desse sucesso, com a mesma fórmula. Aposta que uma diversidad­e de gêneros pode surgir de seu jeito muito próprio de escrever. “A gente é uma infinidade de sentimento­s, minha forma de expressar isso é escrevendo e cantando. Quero que as pessoas estejam abertas às diferenças.”

Koringa acha que o recurso dos palavrões pode ou não voltar. “Se ela sentir que precisa ser ousada como foi em ‘Quero que Tu Vá’, ela será. Porque o palavrão... Bom, o Faustão transformo­u ‘porra’ em ‘vírgula’, né? Fala isso em plena tarde de domingo, usa o palavrão de um jeito inteligent­e. E existe o poder libertador do palavrão. Quando você xinga, fica mais leve. Essa música é um serviço de utilidade pública.”

Existe o poder libertador do palavrão. Quando você xinga, fica mais leve. Essa música é um serviço de utilidade pública MC Koringa /Joker Beats, músico e produtor

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Divulgação A cantora Ananda em cena do clipe ‘Quero que Tu Vá’, gravado de um dia para o outro após sucesso da canção e lançado na segunda (23)

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