Folha de S.Paulo

Monólogos traçam diálogo entre o teatro e a literatura

Marcelo Castro interpreta poema de Carlito Azevedo e dirige Eduardo Moreira, do Galpão, em ‘Danação’

- Maria Luísa Barsanelli

Quando leu “Prólogo Canino-Operístico”, poema de Carlito Azevedo, o ator e diretor Marcelo Castro ficou um pouco atordoado.

“Primeiro eu detestei, depois eu amei”, recorda-se ele. “Viajei, não levei o livro [“Livro das Postagens”] e só pensava nele. Ele me bagunçou, fiquei um tempo sem entender, só que as imagens nunca saiam na minha cabeça.”

Acabou por levar ao palco a inquietaçã­o com o texto, sobre um cão miserável exposto à curiosidad­e pública. O espetáculo homônimo estreia nesta semana em São Paulo.

Na versal teatral do texto, o bicho está enclausura­do num teatro, onde é forçado a encenar algo à plateia. Oprimido, afirma que é o autor quem deveria estar em seu lugar.

Suas divagações animalesca­s por fim discutem o próprio fazer artístico e as mazelas sociais. “O poema é muito contundent­e, ele te joga para vários lados”, afirma o ator.

“Acho que as produções recentes colocavam muitas verdades e certezas. E a arte perde com isso. ‘Prólogo’ mostra que há como falarmos sobre o mundo sem encerrar uma verdade ou um assunto.”

A montagem, muito próxima da performanc­e, foi feita com colaboraçã­o de Grace Passô, que integrou com Castro o grupo mineiro Espanca!,

Também faz parte de um projeto mais amplo do ator e diretor: Antologia Performáti­ca da Poesia Brasileira, que desenvolve uma pesquisa teatral a partir de criações contemporâ­neas de poesia no país.

Castro ainda experiment­a outras formas de linguagem em “Danação”, monólogo em que ele dirige o ator Eduardo Moreira (integrante e um dos fundadores do Grupo Galpão) e que será apresentad­o na mesma temporada de “Prólogo”, dentro do projeto Teatro Mínimo, do Sesc Ipiranga.

Escrito por Raysner de Paula, conta uma história fabular: para escapar da morte, uma menina é engolida pela mãe e passa a viver no coração dela. É dali que essa mãe rememora lembranças da filha.

Como “Prólogo”, é um texto bastante literário, quase barroco, diz Castro. Raysner constrói uma dramaturgi­a visual, concretist­a, com palavras na vertical ou frases começando do lado direito da página.

No início, explica o diretor, chegou-se a fazer testes com projeções desse texto, mas no fim descobrira­m que a forma da escrita funcionava nas falas de Moreira, que cadencia e cria entonações para as palavras de acordo com a forma.

O imaginário também fica por conta da história. Tratase de de uma encenação simples: é Moreira quem narra tudo, como numa conversa com o público. Por vezes manipula alguns objetos, como peças de roupa ou instrument­os, que aludem aos personagen­s.

Muitos itens foram garimpados do acervo do Galpão. O acordeom tocado por ele em cena foi da montagem histórica de “Romeu e Julieta” (1992). Alguns vestidos vieram de “A Rua da Amargura” (1994) ou “Álbum de Família” (1990).

“Tudo tem muita história”, afirma Castro. “É um espetáculo com muita dessa coisa afetiva, de encontro.”

Prólogo Canino-Operístico e Danação Sesc Ipiranga, r. Bom Pastor, 822. Prólogo Canino-Operístico: qui. e sex., às 21h30; Danação: sáb., às 19h30, dom., às 18h30. Até 25/8. Ingr.: R$ 6 a R$ 20. 16 anos

 ?? Alexandre Hugo/Divulgação ?? Marcelo Castro no monólogo ‘Prólogo Canino-Operístico’
Alexandre Hugo/Divulgação Marcelo Castro no monólogo ‘Prólogo Canino-Operístico’

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil