Folha de S.Paulo

‘Samantha!’, na Netflix, parte de ideia promissora, mas roteiro fica a desejar

- Luciana Coelho coelho.l@uol.com.br ‘Samantha!’ está no ar na Netflix

É instigante a escolha da Netflix por “Samantha!” como sua primeira produção cômica no Brasil, e a série de Felipe Braga tem se saído bem em resenhas estrangeir­as, com segunda temporada já garantida na plataforma de streaming.

A série, que segue a trilha oitentista já tomada pelo canal em “Stranger Things”, tem uma premissa deliciosa, a da ex-estrela mirim de TV que, 30 anos depois, tenta reconstrui­r sua fama em um meio cuja natureza mudou drasticame­nte tanto em termos tecnológic­os quanto culturais.

A boa performanc­e de Emanuelle Araújo como a estrelatít­ulo e de Douglas Silva (o Dadinho de “Cidade de Deus”) como seu par e escada para esquetes, o ex-jogador Dodô, também ajudam a segurar o roteiro e a fazer esquecer a canastrice de quase todos os demais atores em cena. Araújo, uma presença vigorosa, tem ótimo timing cômico.

O maior problema de “Samantha!”, contudo, é exatamente aquele que atormenta sua protagonis­ta: viver à sombra de algo maior, a ponto de escolher se converter em caricatura de si mesma.

O algo maior, no caso da série, é o filme “Bingo, o Rei das Manhãs” (2017), inspirado na carreira do palhaço televisivo Bozo, outro ícone dos anos 1980 (no qual, aliás, Araújo interpreta a cantora Gretchen).

É cruel comparar “Samantha!” com filme de Daniel Rezende que tem Vladimir Brichta como protagonis­ta, uma obra sensível e sarcástica em que drama e comédia se retroalime­ntam em simbiose rara.

A série da Netflix não tem essa sutileza —nem sequer para omitir que sua inspiração maior seja a cantora Simony, apesar das negativas.

O roteiro calcado em esquetes, ainda que com algumas boas tiradas, parece fora de sincronia com nossos tempos, sem dar aos demais personagen­s qualquer dimensão que vá além da piada óbvia.

É um tipo de comédia vencido, que, embora possa entreter por algum tempo, se esgota assim que passa a fascinação nostálgica pela protagonis­ta (a única que mereceu uma história pregressa).

Com isso, “Samantha!” carece de fôlego para sustentar uma maratona, o formato privilegia­do pela plataforma. Pode funcionar, se tanto, como entretenim­ento eventual, já que a curta duração (27 minutos por episódio) e a história sem nós não impõem desafios à atenção do espectador.

A série, afinal, se sai melhor em seus flashbacks, cenas curtas que mostram a personagem central na infância e nos lembram quão bizarra e confusa foi a década de 80, quando a pequena Duda Alencar brilha como a estrela mirim que de fofa só tem a aparência.

De certa forma, trata-se de um exercício de metalingua­gem, a TV atual olhando para tempos mais toscos, e sendo tosca ao cumprir essa tarefa.

Pode ser resultado da linha de produção da Netflix, onde há certa pasteuriza­ção da produção global. Ao mesmo tempo em que nos serve uma maior diversidad­e de enredos, personagen­s e procedênci­as, o canal também tende a passálos todos pelos mesmo filtros, criando versões mais anódinas do que poderiam ser.

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Divulgação Emannuele Araújo foi estrela infantil em ‘Samantha!’

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