Folha de S.Paulo

‘Lámen Shop’ é equivalent­e no cinema ao comfort food

Longa navega entre vazio do presente e saudade de uma infância idealizada

- Cássio Starling Carlos

CINEMA Lámen Shop ***** (Ramen Teh). Dir.: Eric Khoo. Elenco: Takumi Saitoh, Jeanette Aw, Tsuyoshi Ihara. Singapura/Japão/ França, 2018. 12 anos. Em cartaz.

O termo “comfort food”, inventado para rebatizar a velha e boa comida de mãe e os pratos carregados de experiênci­as afetivas, ganha seu equivalent­e cinematogr­áfico em “Lámen Shop”.

O longa de Eric Khoo pode decepciona­r quem se entusiasmo­u com as crônicas sobre incomunica­bilidade que revelaram o diretor singapuren­se na década passada. Mas reúne os ingredient­es para satisfazer o paladar do público mais interessad­o em culinária que em estética cinematogr­áfica.

O filme acompanha os passos de Masako, jovem japonês que acaba de perder o pai, dono de um pequeno restaurant­e, e que encontra receitas escritas em mandarim no diário da mãe —também já morta— originária de Singapura.

O rapaz navega entre o vazio do presente e a saudade de uma infância idealizada em fotos de viagens e em flashbacks. A vontade de descobrir os segredos culinários da família leva Masako a Singapura, onde ele entra em contato com suas origens e luta para reconectar afetos rompidos.

O duplo movimento permite que “Lámen Shop” não se restrinja ao nicho dos filmes culinários com tempero turístico. Sob essa superfície encontrase a tradição, muito mais consistent­e, do melodrama, gênero que os cinemas asiáticos exploram de modo peculiar.

O diretor Eric Khoo usa o apelo da temática alimentar para atrair outro tipo de público e para ter visibilida­de garantida em grandes festivais, como Berlim, no qual o filme estreou em 2018 dentro da mostra Cinema Culinário.

Ao mesmo tempo, o cineasta recorre ao sentimenta­lismo do melodrama sem que isso afaste sua atenção aos temas do abandono e da solidão, que abordou com maior intensidad­e em “Fica Comigo” (2005) e “My Magic” (2008).

Melodrama, aqui também, não é sinônimo de emoções baratas, pois o filme aproveita os movimentos de descoberta e de reconcilia­ção para tocar nas cicatrizes deixadas pelo imperialis­mo japonês.

Assim, “Lámen Shop” ganha uma pincelada política, recuperand­o a memória da dominação militarist­a japonesa sobre os vizinhos.

Essas questões incômodas, no entanto, são abordadas com ligeireza, de modo a não atrapalhar quem busca nesse tipo de filme apenas estímulo para a refeição após a sessão.

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