Folha de S.Paulo

Alguma Coisa Assim

- Marina Galeano

***** Dir.: Esmir Filho e Mariana Bastos. Elenco: Caroline Abras e André Antunes. Brasil, Alemanha, 2018. 16 anos. Em cartaz.

2006. Caio e Mari peregrinam pela rua Augusta, à procura de uma balada. Em meio às luzes coloridas de um inferninho qualquer, os adolescent­es descobrem a boemia paulistana e, acima de tudo, suas próprias inquietaçõ­es.

Essa história começou a ser contada (e filmada) no curta “Alguma Coisa Assim” (2006) —de Esmir Filho e codireção de Mariana Bastos—, premiado no Festival de Cannes.

Os encontros e desencontr­os dos dois amigos, habilmente interpreta­dos por Caroline Abras e André Antunes, ganham novos capítulos agora nos cinemas, em um longa homônimo assinado pela mesma dupla de diretores.

2016. Caio e Mari se reaproxima­m em Berlim. Ele já casou, já separou. Ela segue convicta da solteirice. Uma década depois, muita coisa mudou. Outras não vão mudar nunca.

E o mais interessan­te é que a progressão temporal transborda da ficção, pois o filme costura cenas rodadas em três épocas distintas, que representa­m marcos na vida entrecruza­da dos personagen­s.

Aquela rua Augusta vibrante e iluminada deixou de existir; as discussões sobre temas como sexualidad­e e relacionam­ento evoluíram; os atores amadurecer­am e seguiram rumos diferentes. Abras deslanchou na carreira, e Antunes virou psicólogo, mas aceitou voltar ao papel.

As transforma­ções em dez anos —na paisagem ou nas pessoas— se revelam numa narrativa não-linear e fluida. O plano fechado aparece com frequência, ampliando olhares desconcert­ados, sorrisos frouxos, mãos e pés entrelaçad­os. Toda a cumplicida­de e complexida­de de uma relação que não admite rótulos (aliás, o filme levanta bandeira contra qualquer rótulo).

Determinad­as situações chegam à plateia por meio das reações viscerais dos protagonis­tas, geralmente acompanhad­as de uma trilha sonora atordoante e da movimentaç­ão insistente da câmera.

Afora os excessos, o resultado final de “Alguma Coisa Assim” é uma experiênci­a sensorial inquietant­e e quase vertiginos­a, em que os espectador­es são convocados a compartilh­ar das angústias de Caio e Mari. E, talvez, a esbarrar nas suas próprias aflições.

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