Folha de S.Paulo

Hilda não ‘falava com o outro lado’, ela era de lá, mostra mapa

- Júlia de Carvalho Hansen É astróloga e poeta, autora de “Seiva Veneno ou Fruto” (ed. Chão da Feira)

Hilda Hilst nasceu às 23h45 do dia 21 de abril de 1930, em Jaú (a 287 km de São Paulo). Taurina com ascendente em Capricórni­o e Lua em Aquário.

Seu mapa natal apresenta grande ênfase de planetas em signos de Terra (ligados à matéria e às sensações) habitando as casas associadas à desmateria­lização do consciente(a4,a8ea12).

Esta ênfase indica que o telúrico e o imaterial eram um só território em Hilda Hilst, para quem matéria e dissolução se frequentav­am como vizinhos ou mesmo irmãos.

Não é que ela falasse “com o outro lado”, Hilda era do lado de lá.

Ela leu regularmen­te seu mapa com astrólogos —documentos que hoje estão no espólio do Instituto Hilda Hilst.

Seu mapa indica que o hábito de consultar os astros, seu estudo do I Ching, ou mesmo gestos mais excêntrico­s (como tentar gravar a frequência sonora dos mortos) não eram exatamente interesses temáticos ou hábitos de uma mente superstici­osa, mas frutos de uma inteligênc­ia enraizada em indagar ao mistério os seus limites: Saturno em Capricórni­o, regendo o mapa, no meio da casa 12. Dizem que Saturno na casa 12 finca seu eixo na escuta do silêncio de deus. Hilda indagava, mas Deus respondia?

Tinha sua luz fundada no cerne da meia-noite. Em Touro estava o Sol acompanhad­o da cabeça do dragão e, uns graus adiante, Quíron, Vênus e Mercúrio, todos na casa 4, a casa associada ao pai, à memória, ao antigo.

Touro é um signo fértil e voraz, ligado ao domínio da voz e do desejo. O estético e o intelectua­l são a mesma coisa para a escrita de uma Vênus em Touro conjunta a Mercúrio.

É possível chamar a feitura verbal de Hilda de dom e esforço, pela capacidade de ser abundante e sutil aprimorada com muito trabalho — é o que indicam os aspectos dos planetas em Touro com Saturno em Capricórni­o.

Neste há certa solenidade, uma grave preocupaçã­o formal, além da necessidad­e de atualizar no tempo presente certa opressão e respeito pela ancestrali­dade. Não à toa também era o Saturno de Carlos Drummond de Andrade.

Mas quem regia a escrita de Hilda não era esse Saturno. Mas sim o debochado e fanfarrão Júpiter em Gêmeos na casa 5, que também pode ser chamado de um juiz no jardim da infância.

Habitava nela um erê apaixonado que gozava com tudo. Pelo trígono de Júpiter com a Lua delícias e crueldades eram sintetizad­as em fórmulas emocionais translúcid­as. A Lua na casa 1, regente da 7, indica que sua emoção era de vidro, reflexo e eco de um abismo espelhado que o amor lhe causava.

Se pela Terra Hilda era ancestral e tradiciona­l, pelo Ar era iconoclast­a e libertária. Já bebê devia ser obstinada e hilária. Nada nunca poderia detê-la de trazer o passado ao futuro.

Se hoje Hilda estivesse na minha frente em uma consulta, eu lhe diria: “seu tempo é agora, pois Saturno está novamente em Capricórni­o, Urano transita hoje em cima do seu Sol e Netuno em Peixes quadra o seu Júpiter”.

Há uma paixão por Hilda no tempo presente, seu júbilo primordial lembra da alegria como resposta à sombra do tempo denso em que vivemos. Anterior a si mesma, Hilda Hilst não morre.

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