Putin vê Catarina e Potemkim como inspiração para nova era, diz escritor
Britânico Simon Sebag Montefiore participa da mesa da Flip ‘O Poder na Alcova’ no sábado (28)
Quando Simon Sebag Montefiore, 53 publicou a primeira edição de sua monumental biografia sobre o casal todo-poderoso da Rússia do século Catarina, a Grande, e o príncipe Potemkin, ele não esperava ser convidado para reuniões secretas com membros do governo russo no hotel cinco estrelas Dorchester, em Londres. Era 2001, e o presidente Vladimir Putin entrava em seu segundo ano de mandato.
“Catarina e Potemkin não eram muito conhecidos na Rússia por causa dos tempos soviéticos [1922-91], quando eram vistos como decadentes, aristocráticos, e ela era uma mulher. O czar Pedro, o Grande, estava mais na moda, porque era um homem, alguém com quem Stálin poderia se identificar”, afirmou Montefiore à Folha, em Paraty.
O escritor e jornalista britânico, conhecido pelas biografias de personagens emblemáticos da história russa, como Stálin e a família real Románov, participa da mesa O Poder na Alcova, neste sábado (28), na Flip, e divulga “Catarina, a Grande, & Potemkin”, recém-publicado no Brasil pela Companhia das Letras.
O tomo de 840 páginas é baseado nas cartas trocadas entre Catarina e Potemkin. Algumas delas eram bastante desinibidas, lembra Montefiore, já que o casal gostava de trocar relatos sobre suas respectivas vidas sexuais. “Mas a maioria era literalmente cartas de 17 páginas sobre tudo, guerra, diplomacia, política, e frivolidades como coleções de arte, palácios.”
Descrita por Montefiore como a líder mais relevante dos últimos 500 anos, Catarina “tinha uma vida privada, coisa que nenhuma das líderes de hoje tem. Veja [a primeira-ministra britânica] Theresa May ou [a chanceler alemã] Angela Merkel, elas têm uma vida privada quase sem cor”.
Voltado para o século 17 e escrito no final dos anos 1990, a biografia é vista pelo autor como relevante para se entender a Rússia de hoje. “Putin olhava para Catarina e Potemkin como inspiração para uma nova era”, disse Montefiore.
E, de fato, os recentes movimentos do presidente russo no conflito com a Ucrânia, a anexação da Crimeia em 2014 e a participação na guerra civil da Síria encontram ecos na expansão territorial e de poder capitaneada pela czarina (1729-1796) e seu ministrochefe e amante (1739-1791).
A biografia foi bem recebida no círculo de Putin, que viu a obra como uma reabilitação de dois estadistas russos, e facilitou o acesso de Montefiore aos arquivos de Stálin quando o escritor trabalhava na biografia do ditador soviético, publicada em 2004.
“Pelo que ouvi de pessoas no governo”, disse Montefiore, “Putin não é um grande leitor de literatura. Mas uma coisa que ele lê são biografias de czares. E sei que ele leu esse livro porque quando se encontrou com George W. Bush, eles falaram sobre o livro”.
No poder há 28 anos, ora como presidente, ora como premiê, Putin já é visto como um czar dos tempos modernos. Montefiore escreveria uma biografia sobre ele?
“Acho que não. Uma grande razão é que quero continuar vivo [risos]. Mas ele não é um personagem muito literário”, respondeu o britânico, que confessou preferência pela pesquisa em cartas escritas pelos próprios biografados.
“Catarina ou Stálin escreviam muito e liam muito, Potemkin também. Não creio que Putin escreva muito, devem ser só alguns e-mails técnicos, WhatsApps e Telegrams.”
Catarina, a Grande, & Potemkin: Uma História de Amor na Corte Románov Autor: Simon Sebag Montefiore. Trad.: Berilo Vargas. Ed. Companhia das Letras. R$ 89,90 (840 págs.)