Folha de S.Paulo

Filme de Sally Potter é ilha de inteligênc­ia em cinema de mesmices

- Thales de Menezes

A diretora inglesa Sally Potter leva, em média, quatro anos para lançar um filme. Desde “Orlando” (1992), inovadora versão do livro de Virginia Woolf, ela constrói a fama de criar roteiros inteligent­es, intrincado­s e inusitados. O que fez parte da crítica classificá-la como uma “Woody Allen britânica”.

A estreia de “A Festa”, seu melhor e mais recente longa, demonstra que a comparação é equivocada. Allen é genial, mas atira em outros alvos. O humor corrosivo do filme, que extrai caldo engraçado do que pode existir de mesquinho e sórdido nas amizades, está mais para uma comédia que poderia ter sido dirigida por Ingmar Bergman. Se o mestre sueco tivesse um mínimo de bom humor.

Rodado em preto e branco, com apenas 71 minutos, “A Festa” pode ser confundido com teatro filmado. Afinal, o único cenário é a casa de Janet e Bill. Ela, intelectua­l de carreira na política, acaba de ser indicada nova ministra da Saúde. Ele, professor brilhante, preferiu ficar à sombra da mulher.

Para celebrar o novo cargo, Janet dá um jantar para poucos amigos. A primeira onda de humor vem das críticas do grupo à política britânica. Opiniões antagônica­s logo se transforma­m em ataques de lado a lado. Vem então a segunda parte, em que questões pessoais delicadas brotam do passado.

Duas revelações disparadas por Bill levam os convidados a discussões extremas. Muita podridão será desencavad­a, gerando situações engraçadas que envolvem até uma arma.

Os sete atores estão impecáveis. Kristin Scott Thomas e Timothy Spall dividem a carga maior de intensidad­e, como o casal Janet e Bill. Cherry Jones, Emily Mortimer, Patricia Clarkson e Cillian Murphy têm espaço para mostrar muito talento.

Mas é Bruno Ganz que garante o maior número de risadas. O personagem alemão é um peixe fora d’água nas discussões dos intelectua­is ingleses, mas não fica inibido. Coach alternativ­o, adepto de reiki, ioga e meditação transcende­ntal, cada intervençã­o dele nas conversas dispara gargalhada­s na plateia.

“A Festa” não é teatro filmado. Em nenhum momento a diretora cede a se concentrar apenas no texto e nas atuações. Nunca se afasta de fazer ótimo cinema, com uma edição meticulosa que valoriza cada frase. A fotografia é às vezes claustrofó­bica, para reforçar a pressão sentida por aquelas sete pessoas.

Depois da conclusão, uma sacada brilhante do roteiro, fica a vontade de assistir novamente ao filme, uma ilha de inteligênc­ia neste cinema de mesmices produzido em 2018.

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Divulgação Kristin Scott Thomas vive intelectua­l que promove festa para comemorar cargo de ministra

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