Lei eleitoral reduz serviços de informações à população
Em SP, Metrô deixa de reportar shows, e bombeiros, incêndios; público reclama
A interpretação pelas autoridades de uma lei eleitoral tem fechado os canais de comunicação da população com serviços de informação.
Em SP, por exemplo, notícias sobre metrô, trens metropolitanos e bombeiros foram todas reduzidas em páginas oficiais e redes sociais.
A Lei das Eleições, de 1997, proíbe nos três meses que antecedem a eleição “publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta”.
Em razão dessa norma, o Metrô paulista não divulga mais os shows nas estações, e a Secretaria de Cultura parou de listar mostras, concertos, passeios e peças incentivadas pelo estado.
Na página dos bombeiros, não há mais informações sobre incêndios e acidentes.
Usuários têm reclamado, pois consideram esse tipo de divulgação uma prestação de serviço, e não propaganda. Especialista diz que a atitude prejudica os cidadãos.
Para o governo paulista, as mudanças cumprem, além da lei, jurisprudências da Justiça Eleitoral.
“Por conta da legislação eleitoral, a partir do dia 7/7/2018 até o final das eleições, esta página não será atualizada”, publicou no início deste mês o Corpo de Bombeiros de SP no Twitter, para seus 142 mil seguidores.
Desde então, a corporação não atualizou mais a rede social com informações sobre incêndios, atropelamentos e acidentes pela capital paulista e região metropolitana.
Isso não sem protesto de dezenas de seguidores, que classificaram a medida de “piada”, “absurdo”, “nada a ver” e “ridículo”. Houve quem dissesse que “é prestação de serviço, não propaganda” e que “não sabem interpretar a lei”.
“Tem candidatos da corporação concorrendo a cargos? Não entendi. A prestação de serviço feita por essa página é ótima e merece ser mantida”, escreveu aos bombeiros a biomédica Graziela Silva, 27.
À Folha ela contou que desde o dia 7 não se atualiza mais das páginas governamentais que costumava acompanhar: ocorrências dos bombeiros e da PM e eventos do Instituto Adolfo Lutz, laboratório ligado ao Governo de São Paulo.
“Fico atenta, é importante saber o que acontece na cidade e não sei como poderia ser propaganda a informação de um incêndio ou uma ocorrência”, comenta a paulistana.
Ela se refere à Lei das Eleições, de 1997, que proíbe nos três meses que antecedem o pleito “publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta”.
Isso “salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral”, “com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado.”
A partir daí é interpretação. Cada governo se porta de uma maneira diferente frente à norma, e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não tem um manual que oriente governos de maneira mais específica.
A Secretaria de Cultura do Estado de SP não divulga mais mostras, concertos, passeios e peças incentivadas pelo estado para as mais de 190 mil pessoas que a seguem no Twitter.
O Metrô, que tem 1,8 milhão de seguidores, tampouco divulga mais shows e outros eventos nas estações. Hoje só publica atualizações telegráficas sobre o funcionamento de linhas. O que gerou reclamações: “Voltem logo. Esse canal é o que o Metrô tem de melhor”, reclamou um internauta. “Legislação do tempo das cavernas”, disse outro.
Cartilha feita pela subsecretaria de Comunicação do governo paulista diz que “deve ser suspensa a publicação de notícias nos sites institucionais de todos os órgãos da administração direta e indireta”.
Também que “as publicações de novas matérias devem ser feita exclusivamente na página reservada à sala de imprensa do site” e que redes sociais não devem ser atualizadas”. Todos os portais de secretarias estaduais ficaram minimalistas desde então.
O governo disse à Folha que as mudanças servem para cumprir, além da legislação, jurisprudências do Tribunal Regional Eleitoral. “O compartilhamento de ocorrências nas redes sociais dos Bombeiros e da PM pode ser interpretado também como publicidade institucional, vez que promovem os serviços prestados pelo governo”, afirma.
O governo federal tem normas parecidas, mas na prática é mais permissivo. Instrução normativa publicada pela Secretaria de Comunicação da Presidência estabelece que “fica vedada a veiculação ou exibição de conteúdos noticiosos dos órgãos e entidades” do executivo em seus portais e a “inclusão de posts nos perfis” em redes sociais.
De cara, o Twitter oficial do Palácio do Planalto age diferentemente. Comunicado na página diz que o “espaço não poderá ser utilizado para realizar propaganda eleitoral ou campanha político-partidária” e que internautas podem ser bloqueados ou terem seus comentários removidos”.
Mas a rede continua publicando ações do governo, como a notícia “Brasil intensifica fiscalização para assegurar direitos de imigrantes venezuelanos” e “A balança comercial brasileira registrou superávit de US$ 1,5 bilhão na terceira semana deste mês [julho].”
O site oficial do Planalto também destaca o conteúdo noticioso. O mesmo ocorre nas páginas dos ministérios.
Empresas públicas como Caixa, Banco do Brasil e BNDES continuam atualizando redes sociais. A Petrobras interrompeu as publicações, mas ainda atualiza a seção de notícias no site oficial.
Já os balanços dessas empresas não têm restrições à publicação, já que são considerados publicidade legal.
Em nota, a Presidência disse que “entende que a suspensão da comunicação por meio dos portais e redes sociais não está prevista na legislação eleitoral e, por entender que a prestação de serviço ao cidadão é realizada em grande medida por intermédio destes canais, não adotou tal medida, no sentido de preservar a transparência.”
Para Eliana Passarelli, especialista em comunicação pública e ex-chefe de comunicação do TRE de São Paulo, deixar de atualizar redes sociais pode não ser a melhor saída.
“O que não se pode é utilizar órgão público para beneficiar alguma candidatura, a promoção pessoal. Eu já vi vários comportamentos em relação a isso que prejudicam o cidadão e retiram informações sobre horários de funcionamento de órgãos, o que fecha, não fecha, postos de saúde, transporte etc.”, afirma.
“O legislador me parece que não quis que o candidato aproveitasse que tem a máquina [pública] na mão dele e que se sobressaísse em relação aos demais. Mas o órgão público nunca pode utilizar os instrumentos de comunicação do órgão a favor do candidato, o princípio do poder público é a impessoalidade. Isso não deveria ser só no período pré-eleições”, conclui.