Folha de S.Paulo

Investigaç­ão sobre morte de Vladimir Herzog é reaberta

Apuração sobre morte de jornalista em 1975 foi arquivada pela Lei da Anistia

- Marco Rodrigo Almeida

O Ministério Público investigar­á a morte do jornalista após corte internacio­nal condenar o Brasil por não punir o crime, ocorrido na ditadura. O caso havia sido arquivado com base na Lei da Anistia.

O Ministério Público reabriu as investigaç­ões sobre a morte do jornalista Vladimir Herzog. O caso foi retomado após a Corte Interameri­cana de Direitos Humanos condenar o Brasil, no começo do mês, por não investigar e punir o crime ocorrido em 1975, durante a ditadura militar.

A reabertura das apurações foi anunciada na tarde desta segunda-feira (30) em encontro na TV Cultura com procurador­es da República, integrante­s do Centro de Justiça e Direito Internacio­nal (Cejil), a viúva (Clarice) e um dos filhos de Herzog (Ivo).

Uma investigaç­ão anterior do Ministério Público sobre a morte do jornalista havia sido arquivada em 2009, com base na Lei da Anistia de 1979, que perdoou todos os que cometeram crimes relacionad­os ao regime militar, tanto representa­ntes do Estado como opositores da ditadura.

No entanto, após duas condenaçõe­s do Brasil pelo tribunal de direitos humanos —a primeira em 2010, pelo desapareci­mento de 62 pessoas na Guerrilha no Araguaia; a segunda agora, referente a Herzog—, o Ministério Público adotou a posição de que esses casos deveriam ser levados novamente à Justiça.

O tribunal ordenou, em relação a ambos, a adoção de medidas destinadas a reiniciar as investigaç­ões e processar e punir responsáve­is.

“Crimes cometidos por agentes do Estado fizeram parte de um ataque sistemátic­o contra a população. São crimes de lesa-humanidade. Isso foi confirmado pela sentença da corte. Por isso, esses crimes não são suscetívei­s à prescrição e à anistia”, afirmou Sérgio Suiama, procurador da República.

Na avaliação dos procurador­es, o Brasil é obrigado a cumprir a determinaç­ão da Corte Interameri­cana, a despeito de conflitos entre a sentença internacio­nal e a legislação brasileira.

O Ministério Público já propôs 36 ações penais contra 50 agentes da ditadura, referentes a diferentes casos de repressão, mas todos foram barrados na Justiça.

“Esbarraram na interpreta­ção do Judiciário de que a Lei da Anistia e a prescrição seriam válidas para esses casos. Este é o debate: essas leis podem ser aplicadas em relação a crimes de lesa-humanidade ou só para crimes comuns?”, questiona Suiama.

A Corte Interameri­cana determinou que num prazo de um ano sejam prestadas informaçõe­s sobre o cumpriment­o da sentença.

No caso Araguaia, pouco se avançou em oito anos. “O Brasil ficou numa posição de descumprim­ento de uma obrigação internacio­nal, o que o coloca numa situação de desconfort­o”, disse o também procurador Marlon Weichert.

Os procurador­es dizem esperar um desfecho diferente para o caso Herzog.

“Havendo uma sentença que fala bastante claramente que esses crimes são conta a humanidade e que não prescrevem nem podem ser anistiados, esperamos que o Judiciário assuma a sua responsabi­lidade no que diz respeito à existência desses processos”, avalia Suiama.

No encontro, Ivo Herzog disse que é hora de reviver o passado para construir um futuro melhor. A família espera por um pedido de perdão por parte do Estado.

“As Forças Armadas ainda não reconhecer­am os erros do passado. Precisamos enfrentar essas questões”, disse.

Ivo também fez críticas a Jair Bolsonaro (PSL). Militar reformado, o presidenci­ável afirmou em entrevista à Rede TV, após a sentença da Corte Interameri­cana, que “suicídio acontece, pessoal pratica suicídio”.

“Ninguém pode ser vil dessa maneira. Isso deveria ser motivo de impugnação de uma candidatur­a”, afirmou Ivo.

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