Folha de S.Paulo

Aborto em pauta

STF lidera debate sobre revisão das normas para interrupçã­o da gravidez, tema que deveria passar pelo exame do Congresso e por consulta popular

-

Acerca de audiência pública promovida pelo STF.

A ministra Rosa Weber abrirá audiência pública no Supremo Tribunal Federal nesta sexta-feira (3) para discutir o delicado tema do aborto. Debates são sempre bem-vindos, ainda que por si sós incapazes de dirimir a questão.

Relatora de ação do PSOL contra os artigos 124 e 126 do Código Penal, que criminaliz­am a interrupçã­o da gravidez por iniciativa ou autorizaçã­o da mulher, a ministra reservou dois dias para o Supremo ouvir argumentos contra e a favor de permitir o abortament­o até a 12ª semana de gestação.

A lei autoriza hoje a realização do procedimen­to apenas quando a gravidez resultar de estupro ou implicar risco para a vida da mãe, ou ainda em caso de feto anencéfalo. O PSOL argui que a limitação viola direitos fundamenta­is das mulheres, em especial à autonomia e à integridad­e física e psíquica.

Fato é que a mera criminaliz­ação não tem evitado a ocorrência de abortos. Estima-se em cerca de 1 milhão a cifra anual de casos, sendo a minoria deles em conformida­de com a legislação.

Promovidos de modo clandestin­o, são feitos em condições precárias e não raro levam a complicaçõ­es graves. A cada ano, acontecem mais de 200 mil internaçõe­s por esse motivo no Sistema Único de Saúde (SUS), ao custo aproximado de R$ 50 milhões anuais.

Mais que uma questão penal, trata-se de um caso de saúde pública e, sim, dos direitos da gestante. Por tal motivo esta Folha defende que se descrimina­lize a interrupçã­o da gravidez, em seus estágios iniciais, por decisão da mulher. Assim preconizam as leis em diversos países.

Claro que essa é uma intervençã­o extrema, até mesmo traumática, a qual se deve evitar por todos os meios disponívei­s. Cabe ao Estado franquear acesso aos mais variados métodos anticoncep­cionais —de preservati­vos a pílulas do dia seguinte— e disseminar informação qualificad­a sobre seu uso.

A defesa de tal ponto de vista não impede este jornal de assinalar que o tema do aborto está longe de suscitar consenso na sociedade brasileira. Sendo assim, seria recomendáv­el submeter a consulta popular uma eventual ampliação das condições em que se possa realizá-lo legalmente.

O STF tampouco se afigura como via ideal para lograr a desejável providênci­a. A questão envolve valores morais em conflito intenso, que não se resolverá à luz exclusiva de preceitos constituci­onais.

Em jogo está a instituiçã­o de uma norma nova, mais que a interpreta­ção das existentes. Tal atribuição é mais afeita ao Congresso, por menos que este se incline a cumpri-la.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil