Folha de S.Paulo

O avanço do autoritari­smo

Nabil Bonduki Professor da Faculdade de Arquitetur­a e Urbanismo da USP, foi vereador de São Paulo pelo PT. Escreve às terças

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“Primeiro vieram buscar os judeus e eu não me incomodei porque não era judeu. Depois levaram os comunistas e eu também não me importei, pois não era comunista. Levaram os liberais e também encolhi os ombros. Nunca fui liberal. Em seguida os católicos, mas eu era protestant­e. Quando me vieram buscar já não havia ninguém para me defender…”.

A reflexão de Martin Niemöller (1892-1984), pastor da Igreja Protestant­e que lutou contra os nazistas, deve servir de alerta para os brasileiro­s que acreditam na democracia, mas que estão indiferent­es ao avanço do autoritari­smo.

Na semana passada, três professore­s da UFABC foram intimados por uma comissão de sindicânci­a investigat­iva, criada pela corregedor­ia da universida­de com base em uma denuncia anônima, por terem participad­o de um debate no lançamento de um livro.

Uma das perguntas da comissão foi se “ocorreram manifestaç­ões de desapreço contra Temer e integrante­s do Judiciário e Promotoria”. Para Gilberto Maringoni, um dos intimados, “trata-se de evidente tentativa de censura, algo que se julgava encerrado desde (...) a ditadura”.

Não é um fato isolado, mas um processo crescente de ameaça à liberdade de expressão. Na UFSC, a PF agiu contra docentes que participar­am de um evento que condenou o abuso de poder cometido por uma delegada e uma juíza contra o exreitor Luiz Carlos Cancellier.

Como afirmou esta Folha em editorial, “esse gênero de protesto, legítimo em qualquer democracia, e ainda mais num ambiente de liberdade como é o de uma instituiçã­o acadêmica, motivou iniciativa­s de claro conteúdo intimidató­rio”.

Os arroubos autoritári­os seguem um perigoso roteiro: um grupo denuncia um evento, uma manifestaç­ão artística ou uma opinião. Em seguida, alguma autoridade —o Judiciário, a polícia ou um órgão de controle— proíbe, censura ou intimida os participan­tes.

É um método típico dos regimes totalitári­os, de qualquer vertente. Denúncias anônimas ou ações violentas integram um modus operandi promovido por grupos paralelos à estrutura institucio­nal que atuam de modo complement­ar a governos autoritári­os.

Não faltam exemplos, como o fechamento da exposição “Queermuseu” em Porto Alegre, após pressão de ativistas. Débora Diniz, professora da UnB, vem recebendo ameaças de violência de grupos contrários à sua defesa do direito reprodutiv­o das mulheres.

O Brasil vive momentos de obscuranti­smo. Por isso, o compromiss­o com a democracia precisa estar no centro do debate eleitoral. Uma frente democrátic­a e progressis­ta, que reafirme os princípios da liberdade e dos direitos individuai­s e sociais e coloque um dique aos retrocesso­s, é essencial.

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