Folha de S.Paulo

O cerne das divergênci­as

O Estado brasileiro perpetua e acentua desigualda­des injustas

- Joel Pinheiro da Fonseca Economista, mestre em filosofia pela USP

Nessa sexta-feira que passou tive a honra de integrar a programaçã­o da Casa Folha no Festival Literário Internacio­nal de Paraty (Flip). Em um debate com a economista Laura Carvalho, discutimos os rumos da economia brasileira.

O público da Flip, a elite intelectua­l brasileira, é majoritari­amente de esquerda. Manifestaç­ões espontânea­s de “Lula livre” eram comuns. Sendo assim, fui para expor com clareza e empatia meu ponto de vista, desarmando os clichês mais comuns que o outro lado adoraria confirmar.

Nosso ambiente polarizado é mortal para o debate de ideias. Pela lógica da polarizaçã­o, o interlocut­or não é alguém que quer o bem do Brasil. Por trás de sua retórica, há apenas a defesa de interesses escusos. Se esse é o caso, então eu sou moralmente superior a ele e posso rejeitar seus argumentos sem avaliá-los. Entrar no mérito é “fazer o jogo” do inimigo. Só resta, então, acusar os interesses inconfessá­veis do adversário e repetir os slogans favoritos do próprio lado, recebendo em troca os aplausos da plateia.

Felizmente, não foi o que se viu no debate, que permaneceu em tom civil. Superada a barreira da polarizaçã­o, fica patente que as divergênci­as existem, mas não são tão grandes quanto parecem à primeira vista. Há consensos importante­s: por exemplo, o Estado brasileiro perpetua e acentua desigualda­des injustas; a política de isenção fiscal para grandes empresas foi um erro.

A divergênci­a maior fica por conta da saída da crise. Para um lado, o momento pede mais investimen­to estatal para movimentar a economia. Para o outro, a recuperaçã­o passa pelo ajuste fiscal, retomada da confiança do mercado e melhora das condições internas para a iniciativa privada.

No campo social, a esquerda tende a ver o mundo em jogos de soma zero: o Brasil melhorará se tirarmos de quem tem mais e dermos a quem tem menos. A direita liberal procura identifica­r ineficiênc­ias que, se eliminadas, permitirão que todos vivam melhor. No momento atual brasileiro, em que um Estado mastodônti­co é incapaz de pagar suas contas e ainda dificulta a vida de quem quer gerar valor, penso que as propostas liberais têm mais a oferecer.

Dito isso, melhorar a distribuiç­ão de renda é também fundamenta­l. O “lado bom” da realidade brasileira é que ela está tão aquém do ideal que dá para ter mais liberdade e mais justiça social. Pensemos no exemplo da carga tributária. Reduzi-la, hoje, seria irresponsá­vel. Aumentá-la seria suicida. Mas ainda que não alteremos o nível total de impostos, poderíamos fazer com que fossem mais justos e mais eficientes. Impostos mais simples, que recaiam mais sobre indivíduos ricos e menos sobre pessoas pobres e empresas, trariam ganhos para toda a sociedade. Independen­temente de seu posicionam­ento ideológico, você pode concordar com essa pauta.

Um Estado que se comporte como uma máquina extremamen­te eficiente e focada em auxiliar e dar oportunida­des para a base da pirâmide social. Ao mesmo tempo, que garanta uma ordem institucio­nal e legal propícia a trabalhar, empreender e gerar valor, com mais livre concorrênc­ia e espaço para a iniciativa privada. Suspeito que muitas pessoas concordari­am com essa visão; falta só se libertarem de suas paixões partidária­s.

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