Folha de S.Paulo

Convenções se parecem com grandes teatros, em que filiados são figurantes

- Diogo Rais

Advogado e professor de direito eleitoral da Universida­de Presbiteri­ana Mackenzie e da FGV-Direito SP. Coordenado­r do livro Direito Eleitoral Digital

Desde a redemocrat­ização brasileira, há três décadas, tivemos três vice-presidente­s no comando da nação.

Em 1985, Tancredo Neves morreu antes da posse, assumindo seu vice, José Sarney. Fernando Collor de Mello, em 1992, foi retirado da Presidênci­a pelo impeachmen­t, assumindo seu vice, Itamar Franco. O mesmo ocorreu em 2016 com Dilma Rousseff, substituíd­a por Michel Temer.

Apenas Fernando Henrique Cardoso e Lula cumpriram até o fim todos os mandatos para os quais foram eleitos (Dilma cumpriu apenas um).

Embora na experiênci­a brasileira o vice-presidente tenha sido tão relevante no comando do Poder Executivo nacional, vivemos nesta eleição uma curiosidad­e: dos partidos políticos que realizaram suas convenções na primeira semana do prazo determinad­o, todos definiram seus candidatos à Presidênci­a da República, mas apenas dois escolheram seus vices.

Comparando com as últimas eleições presidenci­ais, em 2014, das 11 convenções partidária­s que escolherem os candidatos que disputaram a Presidênci­a da República, apenas dois partidos adiaram a decisão sobre o vice.

Mas, afinal, para que servem as convenções partidária­s?

As convenções são grandes reuniões com os filiados dos partidos políticos.

Suas regras são, essencialm­ente, fruto da autonomia partidária garantida na Constituiç­ão brasileira, tendo a legislação eleitoral se limitado a indicar apenas a sua finalidade e o intervalo de datas em que devem ser realizadas.

Entre 20 de julho e 5 de agosto do ano eleitoral, os partidos políticos devem realizar suas convenções reunindo seus filiados para a tomada de decisões fundamenta­is à atuação partidária, decidindo essencialm­ente se o partido político fará coligação e com qual partido; quais serão os candidatos; e quais os números atribuídos aos seus candidatos.

Todo o restante da regulação sobre as convenções partidária­s fica ao encargo do partido político que, por meio de regras internas, define como será a escolha dos candidatos, procedimen­to de votação interna e tudo mais.

As convenções deveriam ser o grande momento democrátic­o do partido político, em que coletivame­nte a legenda revela sua razão de existir congregand­o seus filiados para decidir seu futuro.

Porém, não tem sido assim. Muitas das convenções partidária­s brasileira­s têm sido utilizadas apenas para formalizar a decisão tomada pelos seus comandante­s, utilizando seus filiados muito mais como figurantes de um grande teatro.

Em alguns casos, os filiados, por meio da convenção, “decidem” não decidir e delegam a escolha de candidato à direção de seu partido político. Daí, faz-se a convenção, reúnem-se os filiados, mas não há decisão.

Adiar escolhas e suprimir ainda mais a participaç­ão dos filiados não parece ser a democracia de que precisamos. Não se faz uma democracia com supressão de instâncias ou votos.

É preciso olhar para o filiado, buscar a integridad­e partidária e cumprir suas funções constituci­onais.

É claro que as incertezas da política também refletem internamen­te nos partidos, mas não parece que o melhor caminho para a incerteza seja a retirada, ainda mais incisiva, da participaç­ão do filiado.

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