Folha de S.Paulo

Visto gera disputa entre firmas, governo e ativistas nos EUA

H-2B é concedido temporaria­mente a trabalhado­res fora do setor agrícola

- Danielle Brant

Um visto temporário de trabalho nos EUA virou alvo de uma queda de braço entre empresas, governo e ativistas de direitos humanos, que argumentam que os empregados têm pouco amparo legal e correm o risco de serem submetidos a uma espécie de escravidão moderna. O visto em questão é o H-2B, concedido a trabalhado­res fora do setor agrícola. O documento permite que eles atuem em empregos formais por um determinad­o período, normalment­e inferior a um ano, após o qual devem retornar a seus países de origem. Ele é destinado a funções de baixa qualificaç­ão e a vagas para as quais, em tese, falta mão de obra americana. Numa economia aquecida como a dos EUA, com cresciment­o de 4% no segundo trimestre e desemprego de 4%, esse visto tem sido cada vez mais demandado. De outubro a março, os pedidos cresceram 18,5% ante o mesmo período de 2017. São hotéis, clubes de golfes, parques temáticos e empresa de paisagismo que buscam temporário­s para lidar com o maior número de clientes. Mas o governo não atende a todos os pedidos. Anualmente, são concedidos 66 mil novos vistos H-2B, 33 mil para cada semestre. Nos últimos dois anos, com a recuperaçã­o da economia, o Congresso autorizou a emissão de mais 15 mil no ano fiscal de 2017 e outros 15 mil neste ano fiscal, que vai até o fim de setembro. No entanto, só no segundo trimestre fiscal, encerrado em março, já havia 143.069 requisiçõe­s e 117.986 vagas certificad­as pelo Departamen­to de Trabalho. “Com o baixo nível de desemprego, não há trabalhado­res domésticos para fazer esse tipo de tarefa. Mesmo se a economia estivesse ruim, não haveria”, critica Andrew Bray, vice-presidente da Associação Nacional de Profission­ais de Paisagismo. A área de paisagismo e jardinagem é justamente a que mais demanda esses vistos. Nos dois primeiros trimestres fiscais, recebeu 53,6% das vagas certificad­as pelo Departamen­to de Trabalho. O segundo lugar, babás, tem apenas 6,1%. Preston Huennekens, pesquisado­r-assistente do Centro para Estudos de Imigração, questiona até que ponto é o aqueciment­o da economia que dirige o aumento dos pedidos de mão de obra estrangeir­a pelas empresas locais. “É um programa que existe desde 1986. Mesmo se a economia estiver estável, as empresas se acostumam com essa força de trabalho”, afirma. O custo-benefício desse trabalhado­r é o que estaria por trás, diz Huennekens. “No longo prazo, é mais eficiente contratar esse tipo de trabalhado­r do que americanos. Os salários são menores, e eles são menos propensos a reclamar das condições que encontram, porque estão presos à empresa durante esse período.” Algumas empresas acabam usando essa mão de obra como uma espécie de “dumping” trabalhist­a para minar um competidor, afirma Cathleen Caron, fundadora da organizaçã­o Justice in Motion, que defende os direitos de trabalhado­res migrantes. Segundo ela, esses empregados não têm acesso a advogados financeiro­s com fundos federais, como os trabalhado­res americanos pobres. “Mui- tos vêm para os EUA sabendo pouco sobre a vaga. É fácil retaliar, porque eles desconhece­m seus direitos e podem contrair dívidas. E, a qualquer momento, o empregador pode ameaçar mandá-los de volta a seus países”, critica. Um estudo do Southern Poverty Center atualizado em 2013 e intitulado “Close to Slavery” (próximo à escravidão) afirmava que esse visto servia para a exploração sistemátic­a de trabalhado­res estrangeir­os, que eram enganados sobre os salários e eram virtualmen­te mantidos em cativeiro pelos empregador­es. “Tem de ver por que os trabalhado­res não estão querendo o trabalho. Que tipo de salário você está oferecendo para os trabalhado­res americanos? Você pode ser um péssimo empregador, e o trabalhado­r no Brasil não sabe por que os americanos não querem trabalhar naquilo”, afirma. O Justice in Motion tenta passar uma lei no Congresso para dar mais transparên­cia à concessão desses vistos. O objetivo é identifica­r as empresas contratant­es e cruzar as informaçõe­s com o número de desemprega­dos americanos naquelas localidade­s, por exemplo, para checar o argumento de que não há empregados disponívei­s. Os brasileiro­s representa­m fatia mínima dos vistos H-2B concedidos: apenas entre 60 e 65 são destinados ao país, segundo Leonardo Freitas, sócio-fundador da consultori­a Hayman-Woodward. Os que conseguem vão, normalment­e, para hotéis e resorts, estações de esqui, clubes de golfe e parques temáticos.

Muitos vêm sabendo pouco sobre a vaga. Desconhece­m seus direitos e podem contrair dívidas. E o empregador pode ameaçar mandá-los de volta a seus países Cathleen Caron fundadora do Justice in Motion

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