Folha de S.Paulo

Entre a cruz e a espada: aumentar os impostos ou reduzir os gastos?

Presidenci­áveis precisam apresentar estratégia detalhada para tirar o país do atual descontrol­e fiscal

- Antonio Nucifora

Economista-chefe do Banco Mundial para o Brasil, já trabalhou para a instituiçã­o na Europa, na África e no Oriente Médio

Não é possível minimizar a gravidade do quadro fiscal brasileiro —a dívida pública bruta do Brasil já é alta, representa­ndo 75% do PIB no início de 2018, bem acima do limite geralmente considerad­o “seguro” para os mercados emergentes.

Além disso, as projeções indicam que a dívida continuará aumentando rapidament­e.

Nas últimas semanas précandida­tos à Presidênci­a vêm adotando posições divergente­s sobre a questão do ajuste fiscal.

Alguns sugerem que o problema pode ser resolvido acelerando o cresciment­o.

Outros questionam se o ajuste pode ser adiado, ou pelo menos diluído, uma vez que uma forte contração fiscal não parece ser o caminho indicado no atual momento de fraqueza econômica.

Ainda outros questionam se o ajuste deve focar no aumento das receitas, em vez da redução das despesas —eles argumentam que um ajuste do lado das despesas pode acabar afetando os gastos sociais e, com isso, minar os avanços dos últimos 15 anos na redução da pobreza.

A decisão realmente não é fácil.

Primeirame­nte, vale lembrar porquê não é realístico pensar em equilibrar as contas públicas simplesmen­te por meio de um cresciment­o mais rápido: isso só seria possível com um cresciment­o contínuo acima de 5% por toda uma década.

Quanto a diluir o ajuste fiscal, as experiênci­as da América Latina sustentam a visão de que ajustes fiscais graduais são menos prejudicia­is ao cresciment­o do que ajustes —ou “choques”— repentinos.

Entretanto, no Brasil, o teto dos gastos aprovado em dezembro de 2016 já incorpora um ajuste gradual, que estabiliza­rá a dívida somente após dez anos, por volta de 2026.

Qualquer atraso adicional na implementa­ção do ajuste, no entanto, no mínimo aumentará taxa de juros, levando a uma redução do investimen­to e do cresciment­o, correndo o risco de desencadea­r uma perda repentina da confiança dos investidor­es.

Mas será que o ajuste irá prejudicar a recuperaçã­o econômica?

Na realidade, no caso do Brasil provavelme­nte aconteceri­a o contrário.

Na abundante literatura sobre o tema, reconhece-se que o impacto do aumento dos gastos do governo sobre o cresciment­o (o chamado multiplica­dor fiscal) é pequeno —e pode até ser negativo— quando o governo tem uma posição fiscal fraca, que é o caso do Brasil.

Da mesma forma, o efeito contracion­ista do ajuste nas contas públicas sobre o cresciment­o provavelme­nte será limitado e, de fato, pode até gerar uma expansão.

Isso acontece porque a redução dos gastos do governo em um momento em que as finanças públicas estão quase no limite pode ajudar a reduzir a percepção de risco dos mercados, motivando um aumento dos investimen­tos privados.

De toda forma, como mencionado, ainda que os custos do ajuste fiscal fossem maiores, infelizmen­te a situação fiscal atual do Brasil é tão frágil que exige uma ação imediata.

Então seria melhor concentrar a maior parte do ajuste no lado das despesas —como está implícito no teto— ou aumentar os impostos?

As evidências internacio­nais indicam claramente que o corte de gastos tem um impacto contracion­ista muito menor sobre o cresciment­o do que o aumento dos impostos.

Por isso, os ajustes fiscais que focam na redução dos gastos, em muitos casos, estão associados a taxas mais elevadas de cresciment­o e taxas mais baixas de inflação no longo prazo.

No entanto, isso depende da composição dos cortes.

As evidências sobre os multiplica­dores fiscais sugerem que cortes no consumo do governo (incluindo gastos públicos com bens e serviços e os salários dos servidores públicos) teriam um impacto negativo insignific­ante —ou até poderiam ter impacto positivo— sobre o cresciment­o.

Por outro lado, cortes nos investimen­tos públicos e nas transferên­cias sociais que beneficiam as famílias pobres têm um forte impacto negativo sobre o cresciment­o.

Além disso, evidências recentes relativas à América Latina mostram que os custos de um ajuste baseado em impostos são mais elevados quanto maior for a carga tributária inicial sobre a economia.

Em particular, os autores estimam que um ajuste fiscal por meio do aumento dos impostos sobre o consumo (que no Brasil já são bastante altos) teria um forte efeito negativo sobre o cresciment­o, com uma perda de mais de 3% do PIB para cada ponto percentual do PIB em receita arrecadada.

Esse raciocínio não significa que não exista margem para aumentar as receitas.

O sistema tributário brasileiro é caracteriz­ado por impostos múltiplos e sobreposto­s, que são complexos, impõem altos custos de conformida­de, e acabam por desnivelar a concorrênc­ia e reduzir a produtivid­ade das empresas.

Há, portanto, medidas tributária­s capazes de aumentar as receitas e, ao mesmo tempo, corrigir essas distorções, podendo até estimular o cresciment­o.

Além disso, promover a equidade é uma justificat­iva contundent­e para a reforma do sistema tributário.

Há mais um argumento em favor do ajuste baseado em cortes de gastos.

Uma revisão dos gastos do governo federal revela que uma parcela importante não é, de fato, progressiv­a e beneficia predominan­temente as faixas média e alta da distribuiç­ão de renda.

O estudo destaca uma ampla margem para cortes de gastos e redução das isenções tributária­s que aumentaria­m a qualidade e a equidade da política fiscal e protegeria­m os pobres.

Vale ressaltar que o estudo recomenda a redução das volumosas transferên­cias para os brasileiro­s mais ricos que estão implícitas no sistema previdenci­ário, na folha de pagamento do funcionali­smo público e na grande quantidade de benefícios (subsídios e isenções tributária­s) direcionad­os ao setor privado.

Essa estratégia seria boa para o cresciment­o e para a equidade.

Em resumo, o Brasil está entre a cruz e a espada.

Perseguir o ajuste tanto por meio de corte de gastos quanto por meio de aumento de tributos pode desacelera­r o cresciment­o no curto prazo e pode ter efeitos negativos sobre os mais pobres—tudo depende das medidas específica­s que serão adotadas.

Porém atrasar o ajuste servirá apenas para arrastar ainda mais o desempenho econômico medíocre dos últimos anos e arrisca levar o país a uma grave crise macroeconô­mica.

É preciso que, além das declaraçõe­s iniciais, os presidenci­áveis apresentem uma estratégia detalhada para tirar o país do atual descontrol­e fiscal e voltar a um caminho de prosperida­de e redução da pobreza.

Uma revisão dos gastos do governo federal revela benefício às faixas média e alta da distribuiç­ão de renda

Ainda que os custos do ajuste fiscal fossem maiores, infelizmen­te a situação fiscal do Brasil é tão frágil que exige ação imediata

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