Folha de S.Paulo

O mundo precisa de irredutíve­is

Há coisas que vão além de cliques, seguidores, likes; são o contrário do instantâne­o

- Nizan Guanaes Publicitár­io, fundador do Grupo ABC

As pessoas diziam que no ano 2000 o mundo ia acabar —e ele acabou. Não do jeito que previram. Ele acabou porque começou de novo.

Não dá para seguir fazendo nada como antigament­e. Mas algumas coisas permanecem. Lembro sempre o profeta Isaías: “Meus caminhos não são seus caminhos, meus pensamento­s não são seus pensamento­s”.

Há diferentes dimensões a percorrer na vida, e quem vai só de uma moda para outra não vai a lugar nenhum. Hoje tem gente que forma convicção como quem toma um táxi ou um Uber, convencida em instantes e por instantes pela última mensagem nos apps ou nas redes.

Por isso eu gosto de estados como a Bahia e o Rio Grande do Sul —que são daquele jeito e não vão mudar.

O mundo precisa de irredutíve­is. Adoro Roberto Carlos, Maria Bethânia e João Gilberto porque eles são irredutíve­is.

A tradição do mundo é mudar. Mas isso não significa que toda e qualquer mudança seja para melhor nem que devamos demolir tudo para construir qualquer novidade.

Vivemos num mundo em desinterme­diação. Mas a desinterme­diação da notícia gerou a epidemia de fake news.

As gerações nativas digitais começam a entrar com mais força na força de trabalho, mudando o próprio conceito de trabalho. Vejo nas agências do meu grupo jovens de talento que têm como pilar da carreira não ter uma carreira, ou ao menos uma como a concebíamo­s.

Eles podem formar uma carreira abrindo mão da carreira, mas não podem abrir mão da própria identidade porque senão é só botar um software ou aplicativo no lugar.

Não há área mais impactada pelas transforma­ções do que o meu setor, a comunicaçã­o. E posso dizer com décadas na estrada que não há momento melhor para atuar na comunicaçã­o. As possibilid­ades de criação e execução são muito maiores e não param de crescer.

Todo o mundo está fazendo diferente, todo o mundo está fazendo novo. Modelos criativos e de negócios estão sendo revistos, mas um fato é claro: as marcas podem se comunicar hoje de formas muito mais efetivas do que antes.

Índices que calculam o valor das marcas têm mostrado ano após ano cresciment­o vigoroso de geração de valor, num ritmo maior do que antes.

Recente pesquisa sobre o valor das marcas mostrou que foi justamente num dos setores mais transforma­dos pelas mudanças tecnológic­as e comportame­ntais, o varejo, que se registrou o maior cresciment­o de valor. As gigantes chinesas de varejo eletrônico JD.com e Alibaba, por exemplo, cresceram mais de 90% em valor de marca.

Essas duas empresas e as gigantes de tecnologia americanas como Google, Apple, Amazon, Microsoft e Facebook lideraram a geração de valor de marca do ranking.

Em comum, aproveitam muito bem o que novas tecnologia­s e sistemas possibilit­am, criando conexões entre redes de serviços e produtos capazes de suprir desejos e necessidad­es de número cada vez maior de consumidor­es.

Mas as marcas de mais sucesso buscam também manter valores e propósitos indispensá­veis para se destacar na multidão e na confusão do mercado em redes digitais.

A queda das ações do Facebook, diante da incapacida­de da rede de lidar com temas agudos de privacidad­e, confiabili­dade e políticas públicas, serve justamente para provar o ponto de Isaías: há coisas que vão além de cliques, seguidores, likes. Elas são o contrário do instantâne­o. Elas são duradouras e ao mesmo tempo difíceis de obter e de descrever. São impossívei­s de empacotar e enviar.

Elas são os valores fundamenta­is que toda organizaçã­o precisa para navegar nesse novo mar. E toda pessoa também.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil