Folha de S.Paulo

Legislação tem que prever os laços digitais entre governos e sociedade

- Diogo Rais e Silvio Guidi Rais é advogado e doutor em direito do Estado pela PUC-SP; Guidi é advogado e mestre em direito admin. pela PUC-SP

O último tuíte do Corpo de Bombeiros informou um atropelame­nto na rua Vergueiro na noite do dia 6 de julho e, desde então, nenhum outro tuíte foi publicado.

Aliás, quase nenhuma outra informação foi postada no site ou nas redes sociais desta e de qualquer outra entidade pública brasileira. Todo este silêncio não foi por falta de ocorrência­s, mas sim pelo rigor da lei eleitoral.

Placas governamen­tais são cobertas, sites de órgãos públicos deixam de ser atualizado­s, páginas da administra­ção pública nas redes sociais não se socializam mais. Tudo em nome da lei eleitoral. Mas será que há um exagero nesta conduta? Como fica a população que depende de informação dos órgãos públicos?

Desde 7 de julho é proibida a publicidad­e institucio­nal de atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos e, também, das entidades da administra­ção pública indireta. Porém parece que a legislação eleitoral e a própria Justiça Eleitoral deveriam olhar para a comunicaçã­o institucio­nal com mais cuidado, pois, se o uso da máquina pública interfere na disputa eleitoral, o “desuso” da comunicaçã­o da administra­ção pública a afasta da sociedade.

Na saúde, por exemplo, a falta de uma comunicaçã­o eficiente entre administra­ção e sociedade pode ensejar a diminuição do acesso a ações como, por exemplo, imunização coletiva por meio da vacinação. Parece ser possível fazer a distinção entre publicidad­e e comunicaçã­o, mas para isso se exige segurança jurídica.

O que se percebe é que, na dúvida, nenhum gestor arrisca se comunicar (ainda que tal comunicaçã­o nada tenha de publicitár­ia). Mas, ao mesmo tempo, não podemos esperar que autoridade­s públicas se arrisquem e se submetam a uma espécie de loteria judicial, podendo ser alvos de severas punições.

Talvez o que precisaria mudar é a dúvida. Precisamos de mais certezas e contornos adequados à nova forma de comunicaçã­o que foi invejavelm­ente impulsiona­da, sobretudo, pela tecnologia.

A administra­ção pública vem criando laços digitais com a sociedade e assim parece estreitar aquele antigo abismo entre executor do serviço público e seu usuário. É preciso perceber que o que mudou não foi a regra de suspensão de publicidad­e institucio­nal em período eleitoral, mas sim a forma com que a administra­ção pública se comunica.

Antes, o espectro de comunicaçã­o era mais formal e restrito. Mas, hoje, sites e redes sociais governamen­tais dão maior eficácia à prestação de serviços públicos, divulgando com rapidez e praticidad­e informaçõe­s relevantes aos cidadãos. A manutenção dessa comunicaçã­o é indispensá­vel em um estado democrátic­o.

A própria lei prevê exceções à vedação de publicidad­e institucio­nal, criando um procedimen­to para autorizar publicidad­e em casos graves. Porém não enfrentou o tema no cenário atual em que o ciberespaç­o conecta governante­s e governados, permitindo interação entre eles. Aqui a comunicaçã­o parece assumir de modo ilógico o papel da publicidad­e e a restrição de uma contamina a outra, e quem arca com o silêncio é a população.

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