Número de brasileiros fora da força de trabalho chega a 65,6 milhões
Efetivo recorde soma 40% das pessoas com idade para trabalhar; temor é que crise alimente desalento
No segundo trimestre deste ano, o número de pessoas que não trabalham ou desistiram de procurar emprego cresceu 1,2% e atingiu um nível recorde: 65,6 milhões de brasileiros com 14 anos ou mais estão fora da força de trabalho.
O efetivo representa quase 40% das pessoas com idade para trabalhar.
Trata-se do patamar mais alto da série histórica do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), iniciada em 2012, informou o órgão nesta terça-feira (31).
As pessoas fora da força de trabalho são aquelas que têm idade para trabalhar, mas, por alguma razão, não procuram emprego.
O mais preocupante, diz Everton Carneiro, analista da RC Consultores, é que uma forte explicação para isso é o crescimento do desalento —a desistência de ir em busca de uma vaga diante da lenta retomada econômica.
Paradoxalmente, nas estatísticas, a taxa de desemprego caiu, graças ao aumento dos postos de trabalho informais.
A taxa de desemprego teve uma redução de 13% para 12,4% no segundo trimestre deste ano em relação ao primeiro —um total de 13 milhões de desempregados.
Em relação ao mesmo trimestre de 2017, os números também não animam: ao mesmo tempo em que 1 milhão de pessoas passaram a ter alguma ocupação no período, um grupo maior, de 1,2 milhão, saiu da força de trabalho.
Outro ponto que chama a atenção é que esse aumento de pessoas ocupadas nos últimos 12 meses é mais do que inteiramente explicado pelo avanço do emprego informal e também, em menor grau, do emprego público, diz o economista Fernando Montero, da consultoria Tullett Prebon, em relatório.
No mercado informal, diz ele, a soma dos trabalhadores do setor privado sem carteira assinada, de empregadores e trabalhadores por conta própria sem CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), de trabalhadores familiares e de trabalhadores domésticos sem carteira atinge 821 mil ocupados no período.
Já o número de empregados no setor público subiu 310 mil.
Em sentido oposto, os trabalhadores e domésticos privados com carteira mais os empregadores e conta própria com CNPJ caíram 130 mil na comparação com o segundo trimestre de 2017.
O IBGE divulgou pela primeira vez o nível de formalização dos grupos de trabalhadores por conta própria e empregadores, que são indivíduos que têm pelo menos um funcionário.
Como já era esperado, 80% dos conta própria não têm CNPJ, em linha com o fato de que esses trabalhadores costumam ser pequenos empreendedores que decidiram abrir seus negócios após perder empregos formais.
Entre empregadores: 80% tinham CNPJ.
Chama a atenção que o número de empregadores sem cadastro sobe de forma praticamente contínua desde 2015 —recorde de 911 mil.
Segundo o IBGE, do total de 91,2 milhões de ocupados, ao menos 40,6% (ou 37 milhões) estão no mercado informal.
Já o número de empregados no setor privado com carteira de trabalho assinada atingiu o menor nível da série histórica iniciada em 2012, ao registrar contingente de 32,8 milhões.
“Aumentou a oferta de trabalho, mas a qualidade do emprego está menor”, diz Carneiro, da RC Consultores.
Segundo ele, outro sinal de piora da qualidade no trabalho é que, a despeito da alta no contingente de ocupados, a renda real do trabalhador (descontada a inflação) se mantém estável.
Em relação a igual período de 2017, esse rendimento cresceu 1,1%. Na prática, a renda do trabalhador subiu R$ 24 no intervalo de um ano.
“É aumento de vagas que não gera melhora no poder de compra, o que retarda a retomada econômica”, diz.
Mesmo com crise fiscal, setor público amplia contratações
Enquanto o mercado de trabalho brasileiro tem cada vez mais trabalhadores informais de um lado e, de outro, pessoas desistindo de procurar vaga, o setor público amplia as contratações e bate recorde de empregados em um momento de severa crise fiscal.
Entre abril e junho, 11,6 milhões de pessoas estavam empregadas no setor público —o maior nível da série histórica, iniciada em 2012, segundo dados do IBGE.
No segundo trimestre, 392 mil pessoas foram contratadas pelo setor público.
Desse total, 73%, ou 289 mil vagas, não tinham carteira assinada, em modelos de contratação que podem ser por meio de cargos temporários.
Fernando Montero, economista da consultoria Tullett Prebon, diz que o avanço das contratações públicas, mais associado a administrações regionais, ocorre desde a virada de 2017.
Segundo ele, isso indica que não se pode explicar a alta apenas em razão do ciclo eleitoral.
Cosmo Donato, economista da LCA Consultores, diz que é possível que sejam contratações de funcionários por contrato temporário, em especial nos setores da saúde e da educação, justamente porque as prefeituras não têm verba para contratar via concurso.
Na avaliação do próprio IBGE, a alta é sazonal.
“É comum as prefeituras dispensarem trabalhadores no fim do ano e recontratálos no início do ano seguinte”, afirmou o coordenador de Trabalho e Renda do IBGE, Cimar Azeredo.
Como o país tem mais de 5.000 municípios, o movimento é grande.
Governo comemora que houve queda no desemprego
Algo não usual, o Ministério do Trabalho, por email, comentou os dados do IBGE.
Em falta de sintonia com analistas, o governo disse que os dados reforçariam o que o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) vem apontando: “Um crescimento gradual do emprego e da renda dos brasileiros”.
Embora os números apontem para isso, especialistas esperavam uma retomada bem mais forte do mercado de trabalho e, no lugar de comemorar os dados mais recentes, revisam para baixo as previsões.
A LCA Consultores, por exemplo, cortou a projeção de vagas no mercado formal neste ano pela metade: de 500 mil para 250 mil. Para o Itaú, os números mostram um crescimento perdendo força.
Thiago Xavier, da consultoria Tendências, diz que o futuro do mercado de trabalho depende do desempenho da atividade econômica e do próprio ambiente de negócios, mais ligado ao ambiente político.
É aumento de vagas que não gera melhora no poder de compra, o que retarda a retomada econômica
Everton Carneiro
analista da RC Consultores
É comum prefeituras dispensarem trabalhadores no fim do ano e recontratálos no ano seguinte
Cimar Azeredo coordenador de Trabalho e Renda do IBGE