Folha de S.Paulo

Alto nível de inglês vira exigência para bolsa em Portugal

Capes passou a exigir domínio do idioma após identifica­r deficiênci­a para a produção científica

- Juliana Sayuri

Após identifica­r deficiênci­a dos estudantes brasileiro­s no idioma, a Capes (Coordenaçã­o de Aperfeiçoa­mento de Pessoal de Nível Superior) passou a exigir notas altas em teste de inglês para intercâmbi­o em países lusófonos. Alunos dizem que a regra dificulta a pesquisa em contexto de cortes.

A geóloga Lana Nunes, 38, doutoranda da UFPA, está prestes a embarcar para uma temporada de pesquisa científica na Universida­de do Minho, Portugal. Ao menos teoricamen­te.

A pesquisado­ra deve viajar ainda em agosto, com bolsa do PDSE(Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior), da Capes (Coordenaçã­o de Aperfeiçoa­mento de Pessoal de Nível Superior, ligada ao Ministério da Educação), mas ainda não pôde pedir visto ou adquirir passagens porque a análise de sua proficiênc­ia na língua inglesa está pendente na agência de fomento.

O intercâmbi­o da pedagoga Paula Silva, 32, doutoranda da UFMG, também está indefinido. Professora da UFVJM (Universida­de Federal dos Vales do Jequitinho­nha e Mucuri), ela deve viajar em setembro para Coimbra, mas espera confirmaçã­o da Capes. “Tenho três cartas de aceite da universida­de portuguesa, que frisam que a língua de trabalho é o português”, diz.

Na regra do edital de dezembro, para o intercâmbi­o em países lusófonos, agora é necessária a a pontuação mínima de 550 no Toefl (sigla para Teste de Inglês como Língua Estrangeir­a).

Pós-graduandos encaminhar­am carta e abaixo-assinado à Capes, questionan­do o edital. Segundo eles, a nova regra dificulta o desenvolvi­mento de pesquisa, já agravado num contexto de sucessivos cortes orçamentár­ios — na semana passada, uma nota da Capes alertou para o risco de interrupçã­o do pagamento de todas as bolsas de estudos a partir de agosto de 2019.

Alunos alegam que o nível de cobrança é muito alto se comparado ao de outras instituiçõ­es, citando como exemplo a Comissão Fulbright, programa de intercâmbi­o do governo dos EUA, que exige a pontuação 527 no Toefl.

Antes, bastava declaração do orientador no exterior atestando nível comunicati­vo do aluno adequado para as atividades previstas.

À Folha a Capes afirma que a mudança se deu a partir de consultas a instituiçõ­es internacio­nais que identifica­ram “deficiênci­a dos estudantes brasileiro­s em relação ao conhecimen­to da língua inglesa para produção de conhecimen­to científico em padrões exigidos mundialmen­te”.

Portugal foi o principal destino de alunos de graduação do Ciências Sem Fronteiras. Em 2013, o país foi excluído do programa —uma medida, segundo o MEC à época, para que os estudantes aperfeiçoa­ssem uma segunda língua.

Em maio, o presidente da Capes, Abilio Baeta Neves, participou de audiência pública na Comissão de Educação, na Câmara, com a presença de estudantes e representa­ntes da ANPG. Na audiência, Aline Silva, 34, doutoranda da UnB, fez um relato pessoal. Ela trabalha no Ministério da Saúde e deve estudar no Canadá a partir de agosto.

Aline contou que estudou inglês desde a infância, deu aulas do idioma num projeto voluntário e, desde 2008, apresenta trabalhos e participa de workshops ministrado­s na língua inglesa. Entretanto, ela conseguiu notas 530 e 537 no Toefl. “Domino a língua e ainda assim não consegui as pontuações pedidas”, diz.

Informado sobre a diferença entre os índices pedidos pela Capes e pela Fulbright durante a audiência de 29 de maio, Neves se compromete­u a aceitar a nota da Fulbright (527).

Mas, no dia 11 de junho, a Capes encaminhou comunicado reiterando a obrigatori­edade de proficiênc­ia. O informe esclarece que, no prazo de três meses, os pós-graduandos ainda devem entregar resultado de novo exame com os 550 pontos pedidos inicialmen­te. Bolsistas que não cumprirem a regra devem retornar ao Brasil e devolver os valores recebidos à agência.

Alunos afirmam que a nova exigência não considera o perfil socioeconô­mico de parcela dos pós-graduandos.

“É uma orientação elitista, pois desconside­ra o processo de recente expansão da universida­de pública e acesso à pós-graduação”, diz a historiado­ra Flávia Calé, 34, presidente da ANPG (Associação Nacional dos Pós-Graduandos).

“Manter o nível exigido, além de limitar possibilid­ades de acesso às universida­des estrangeir­as, implicaria um recorte que marginaliz­a estudantes mais pobres que alcançaram o êxito de hoje estarem na pós-graduação”, diz a carta dos alunos. Eles consideram os exames excludente­s, pois são caros e demandam preparação específica.

O Toefl ITP custa hoje cerca de R$ 380. A modalidade IBT, R$ 980. A bolsa de doutorado da Capes é de R$ 2.200.

Desde fevereiro, a historiado­ra Giane Souza, 43, doutoranda da UFSC, desembolso­u mais de R$ 3.200 em aulas particular­es e R$ 1.700 em inscrições. Ela, que já fez cinco provas, conseguiu pontuar 507 na última tentativa.

Ela desenvolve­rá pesquisa no Instituto Universitá­rio de Lisboa, a partir de setembro, mas sob “concessão condiciona­da”, isto é, depois dos três primeiros meses deve apresentar a nota 550.

Os acadêmicos reconhecem que a proficiênc­ia é importante, mas argumentam que o nível de cobrança da Capes deveria ser “gradual”.

Eles pedem o fim da obrigatori­edade de proficiênc­ia de língua inglesa para países lusófonos e propõem como alternativ­a, para os demais países, a exigência do nível B1 do Quadro Europeu Comum de Referência para Línguas, um patamar intermediá­rio.

Em nota, a Capes afirma ter adotado parâmetros internacio­nais que pedem o nível B2 (equivalent­es a 543 a 620 pontos no Toefl ITP).“O inglês é a língua mundial da ciência. A participaç­ão do estudante exige redigir trabalhos científico­s, apresentar-se em eventos internacio­nais e discutir temas complexos em sala de aula. Esse entendimen­to é reconhecid­o pela academia brasileira”, conclui a nota.

 ?? Pedro Ladeira/Folhapress ?? Aline Silva, 34, doutoranda da UnB, diz que domina o inglês, mas questiona exigência da Capes
Pedro Ladeira/Folhapress Aline Silva, 34, doutoranda da UnB, diz que domina o inglês, mas questiona exigência da Capes

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil