Folha de S.Paulo

Derrota do aborto

-

Acerca de exame do tema pelo Legislativ­o argentino.

Depois de ter passado pela Câmara dos Deputados, o projeto que legalizari­a o aborto na Argentina foi derrotado no Senado daquele país por 38 votos a 31.

Embora o cenário para a aprovação tenha se mostrado propício, prevaleceu a perspectiv­a proibicion­ista, numa região —a América Latina— em que poucas nações adotaram a medida.

Nesta parte do mundo, apenas Uruguai, Cuba e Guiana aceitam o aborto de maneira ampla, enquanto a grande maioria restringe a autorizaçã­o do procedimen­to a casos específico­s, como risco de morte da mulher ou estupro. As exceções são Nicarágua e El Salvador, onde a proibição é total.

A discussão travada na Argentina trouxe à luz aspectos pouco usuais, como o apoio do presidente Mauricio Macri, de centro-direita —em contraste com a gestão esquerdist­a de Cristina Kirchner, que se opunha à proposta.

Apesar da derrota, o debate parece ter colocado a questão em outro patamar, além de ter provocado repercussõ­es importante­s em outros países. O próprio Macri já declarou que tentará retornar ao tema —pretende incluir a despenaliz­ação do aborto no projeto de reforma do Código Penal que enviará ao Congresso neste mês.

No Brasil, o assunto está na pauta do Supremo Tribunal Federal, que após uma fase de audiências públicas vai examinar ação apresentad­a pelo PSOL para descrimina­lizar o procedimen­to, caso se realize até a 12ª semana de gravidez.

Além de encerrar aspectos morais e religiosos, o aborto é sem dúvida uma decisão que envolve traumas e dilemas íntimos. Num mundo ideal deveria ser evitado por meio de precauções contra a gravidez indesejada. Políticas públicas com esse objetivo poderiam, de fato, contribuir para reduzir sua ocorrência e os riscos inerentes.

Esta Folha não considera, entretanto, que a legislação deva tratar como criminosas mulheres que passaram por essa experiênci­a.

A questão precisa ser avaliada pela ótica da saúde pública, levando em conta, especialme­nte, a realidade dos abortos praticados por mulheres pobres, não raro em condições totalmente inadequada­s.

Cabe reconhecer, de todo modo, a legitimida­de de teses contrárias e sua ampla difusão na sociedade. Recomenda-se, assim, que se submeta o tema a consulta popular, após debate plural e transparen­te.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil