Folha de S.Paulo

Vacina na marra

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

Uma das piores coisas que pais podem fazer a seus filhos é privá-los de vacinas. Ainda assim, devo dizer que fiquei chocado com o artigo da promotora Inglacir Delavedova publicado na Folha, no qual ela defende não só multa para genitores que deixem de imunizar seus rebentos mas também a busca e apreensão das crianças para vaciná-las.

Imagino até que a adoção de medidas extremas como propõe Delavedova possa fazer sentido em determinad­os contextos, como o de uma epidemia fatal que avança rapidament­e e pais que, induzidos por vilões internacio­nais, se recusam a imunizar seus filhos. Não me parece, entretanto, que tenhamos chegado a uma situação dessas.

Há motivos para acreditar que as sucessivas quedas na cobertura vacinal registrada­s por aqui se devam mais a uma combinação de desleixo paterno com inadequaçõ­es da rede do que a uma maciça militância antivacina­l. Há até quem afirme que a queda é menor do que a anunciada pelo Ministério da Saúde, que, por problemas técnicos, não estaria recebendo informaçõe­s atualizada­s de alguns municípios.

Seja como for, tenho a convicção de que, se a fórmula mais draconiana propugnada por Delavedova fosse adotada, acabaríamo­s produzindo mais mal do que bem.

O ponto central é que o sistema de saúde precisa ser visto pelo cidadão como um aliado e não como um adversário. Se a percepção que as pessoas têm do posto de saúde for a de que ele é uma entidade que pode colocar a polícia atrás de famílias para subtrair-lhes os filhos, elas terão bons motivos para nunca mais pôr os pés numa unidade.

A ideia de que o sistema de saúde precisa ser protegido de ações que possam minar a confiança que o público lhe deposita não é estranha ao mundo do direito. Não é por outra razão que a legislação penal e códigos de ética proíbem o profission­al de saúde de divulgar segredos de pacientes e até de denunciar crimes que tenham cometido.

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