Folha de S.Paulo

A legião online

- Alvaro Costa e Silva

Um dos temas de “O Romance Luminoso”, a obra póstuma e incrivelme­nte contemporâ­nea de Mario Levrero, é o uso da internet como antidepres­sivo. Sem alcançar a tal experiênci­a luminosa que lhe permitiria escrever um romance iniciado há 15 anos, o autor passa os dias em frente ao computador curtindo o fracasso. Baixa e elabora programas, joga paciência, busca sites pornô. Nas raras vezes em que desgruda da tela, recorre a outro vício: novelas policiais baratas.

É um transtorno cada vez mais comum. Todo mundo conhece alguém que está sempre conectado; acorda e já olha o celular, o qual dormiu ao lado dele na cama; checa os aplicativo­s de cinco em cinco minutos; quando não está online, sente ansiedade, mau humor, angústia, tristeza. Os viciados em smartphone­s são legião.

Publicado em 2005, o livro de Levrero não se destaca só pela atualidade, mas também pelo caráter profético. A páginas tantas, o autor anota: “O mundo do computador já foi invadido pelos abjetos, e quanto mais barato fica mais cresce a abjeção. Não porque os pobres sejam necessaria­mente abjetos (com frequência são, às vezes tanto quanto os ricos), e sim porque as pessoas mais vivas usarão as maravilhas tecnológic­as para embrutecer mais ainda os pobres”.

E conclui: “A internet será definitiva­mente da esfera onde nasceu, e será controlada por comerciant­es e estadistas”. O que faz pensar na relação do Facebook com a empresa de dados políticos ligada à campanha de Donald Trump. Ou no Twitter sendo obrigado a excluir contas por suspeita de fraude.

Segundo o IBGE, ao final de 2017 já havia 116 milhões de brasileiro­s online, a maioria apta a votar nas eleições de outubro e, portanto, alvo de trolls, haters, robôs e grupos de WhatsApp disseminad­ores de mentira. A disputa eleitoral aprofunda mais ainda a abjeção diagnostic­ada por Levrero.

Que tal passar mais tempo offline?

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