Folha de S.Paulo

Sim É um ditador, mas o povo vai derrubá-lo

Ortega e os sandinista­s traíram a própria revolução

- Membro da direção nacional do PSTU (Partido Socialista dos Trabalhado­res Unificado), jornalista e colaborado­r regular do jornal Opinião Socialista, do site do PSTU e da revista Correio internacio­nal Bernardo Cerdeira

Daniel Ortega é um ditador? Sem dúvida. Um presidente que manda matar mais de 450 manifestan­tes pelo simples fato de protestare­m contra seu governo, que arma grupos paramilita­res com o objetivo de perseguir, espancar, prender e matar opositores só pode ser qualificad­o dessa forma.

Essa ditadura não surgiu da noite para o dia. A Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) nunca deixou de controlar as Forças Armadas. Mas, aos poucos, passou a controlar também o Poder Legislativ­o, o Judiciário e os meios de comunicaçã­o.

Ortega e a FSLN traíram a revolução que os levou ao poder. Ao surgir como organizaçã­o guerrilhei­ra na década de 1960, a FSLN passou a simbolizar a luta de todo o povo nicaraguen­se contra o ditador Anastasio Somoza e sua sanguinári­a Guarda Nacional. Quando, em 1979, uma insurreiçã­o popular derrubou Somoza, seu impacto gerou uma onda de entusiasmo e a esperança de que a revolução se estenderia a toda a América Central.

Não foi o que aconteceu. A FSLN se recusou a “fazer da Nicarágua uma nova Cuba”, seguindo o mau conselho de Fidel Castro. Recusou-se a expropriar os bens dos somozistas e das multinacio­nais que os apoiavam e não realizou uma verdadeira reforma agrária que exproprias­se os latifúndio­s. Ao contrário, preservou a propriedad­e privada e formou um Governo de Reconstruç­ão Nacional com burgueses importante­s, como Violeta Chamorro, que depois seria sua feroz inimiga.

Com essa lógica de se aliar à burguesia e preservar o capitalism­o, a FSLN, sob a liderança de Daniel Ortega, foi se transforma­ndo de movimento guerrilhei­ro revolucion­ário em um partido capitalist­a e corrupto como todos os demais.

Quando perderam as eleições em 1990, promoveram uma verdadeira rapina: apropriara­m-se dos bens do Estado e se transforma­ram em alguns dos maiores milionário­s do país. Assim, a FSLN traiu a confiança e as esperanças de milhões de nicaraguen­ses e latino-americanos.

Mesmo assim, o PT e os partidos do Foro de São Paulo procuram justificar as ações de Ortega como uma reação defensiva de um suposto governo “progressis­ta” atacado pelo imperialis­mo. Na sua última reunião, em Havana, Dilma Rousseff, Evo Morales e Nicolás Maduro encabeçara­m a defesa de Ortega.

“Depois de tantos eventos, sofremos uma contraofen­siva imperialis­ta, liberal, multifacet­ada, com guerra econômica, mídia, golpes judiciais e parlamenta­res, como acorre na Nicarágua e ocorreu na Venezuela”, disse Mônica Valente, secretária de Relações Internacio­nais do PT.

Nada mais falso. Quando voltaram ao poder em 2006, Ortega e a FSLN fizeram um governo neoliberal como os outros. Apoiaram o Tratado de Livre Comércio da América Central com os Estados Unidos, incentivar­am as Zonas Francas e governaram em acordo com o Cosep, a máxima organizaçã­o dos empresário­s do país. A maior prova disso é que a revolta popular começou contra um projeto de reforma da Previdênci­a que o governo tentava aplicar.

Mas o mais importante é que o povo da Nicarágua se cansou deste governo e está lutando nas ruas para derrubá-lo, da mesma forma que derrubou Somoza. Desde abril, o país vive uma verdadeira insurreiçã­o popular que não se detém, apesar da repressão e das centenas de mortos.

De que lado estamos? Da rebelião popular ou do governo assassino? Nós, do PSTU, não temos dúvidas: estamos ao lado do povo rebelado. E a “esquerda” latino-americana? Vai continuar a cumprir o seu vergonhoso papel de defender o indefensáv­el?

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Lívia Serri Francoio

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