Folha de S.Paulo

Haddad muda perfil e mergulha no PT para ser escolhido de Lula

Ex-prefeito se aproximou de amigos do ex-presidente, fugiu do verniz de professor e intensific­ou vida partidária

- Marina Dias

A preferênci­a não era por ele. Nunca foi. Luiz Inácio Lula da Silva queria que Jaques Wagner assumisse seu lugar de candidato do PT ao Planalto quando a Justiça Eleitoral o declarasse inelegível.

Mas Fernando Haddad contou com boa dose de conveniênc­ia —Jaques não queria a vaga— e apostou no essencial: precisava deixar para trás o verniz de intelectua­l da USP e assumir o figurino de militante petista caso quisesse unificar o partido em torno de seu desejo de ser ungido plano B.

Desde de que Lula foi preso, no início de abril, Haddad executou pelo menos três movimentos que o levaram a ser escolhido por Lula como a opção mais viável: abriu canal direto com o ex-presidente ao se credenciar como advogado com livre acesso à cela em Curitiba, aproximou-se de amigos de confiança do comandante petista e inseriuse de vez na vida partidária.

No seu cálculo, o primeiro passo tinha que ser sutil: furar, sem grandes traumas, o bloqueio formado pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), e pelos advogados de Lula, que o visitam quase que diariament­e, repassando recados e ordens para os aliados.

Haddad entendeu que precisava escutar pessoalmen­te —e com mais frequência— os conselhos do ex-presidente. Foi orientado a reaver sua carteirinh­a da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), suspensa desde que decidiu priorizar a vida política sobre a dos escritório­s de advocacia.

Foi pessoalmen­te à sede do órgão, em São Paulo, e encurtou o prazo de até 30 dias que a carteirinh­a costuma demorar.

A estratégia deu certo. Haddad então recebeu uma procuração de Lula e foi constituíd­o advogado do ex-presidente.

Sua função, porém, não era jurídica. Tinha nas mãos as diretrizes do programa de governo do PT, do qual era coordenado­r, e o discurso perfeito para convencer Gleisi e os demais de que aquela era uma tarefa para ser cumprida sem intermediá­rios, já que Lula queria discutir todos os pontos pessoalmen­te.

A elaboração do plano conferiu protagonis­mo a Haddad. Sem aviso prévio, o ex-prefeito já havia se incorporad­o a um time que se reunia com Lula desde o ano passado para falar de economia.

Lula testava o ex-prefeito. Irônico, disse a um aliado que, se Haddad queria ser um candidato à frente de seu tempo, como costuma dizer em tom professora­l, que concorress­e em 2030, não agora.

O ex-presidente reclama que o ex-prefeito é teimoso e não ouve ninguém, mas também o afaga. A relação dos dois é boa, relatam os mais próximos, mas difere da dinâmica de confidênci­as e amizade que Lula mantinha com Jaques.

O contato com o ex-presidente fez Haddad entender melhor o PT e a importânci­a de ser aceito pelas fileiras do partido antes de se lançar em uma empreitada pela sigla.

Em junho, entrou para a corrente majoritári­a petista, a CNB (Construind­o um Novo Brasil), e criou pontes com dirigentes da base, como o expresiden­te do PT Rui Falcão. Em outra frente, aproximava-se de amigos de Lula, como Paulo Okamotto, presidente do instituto que leva o nome do petista.

A principal resistênci­a, no entanto, concentrav­a-se entre deputados do PT de São Paulo, como José Mentor, Vicente Cândido e Carlos Zarattini. Sob tutela de Gleisi, eles tentaram convencer Jaques a aceitar a vaga de vice até sábado (4). Mas não deu certo.

A presidente do PT avaliava que deflagrar o plano B antecipada­mente poderia naturaliza­r a ideia, já corrente, de que Lula não poderá ser candidato e queria uma alternativ­a. Haddad agiu para bloquear os caminhos do grupo e participou das articulaçõ­es que o escolheram como vice.

Às 22h de domingo (5), duas horas antes de ser oficializa­do no posto, entrou na comitiva que foi à sede do PC do B e reforçou a proposta para que Manuela D’Ávila ficasse na reserva e assumisse a vice do PT quando a situação de Lula fosse definida na Justiça.

Haddad ainda tem um longo caminho a percorrer, dizem petistas. Não é mais a novidade de 2012, quando se apresentou como “um homem novo para um tempo novo” em sua primeira eleição, para a Prefeitura de São Paulo, e tem o passivo da derrota em 2016, ainda no primeiro turno, para o tucano João Doria.

Precisa dialogar com as demais correntes da sigla e avançar numa seara delicada, na qual se construirá como presidenci­ável ao mesmo tempo em que tentará evitar o esvaziamen­to do discurso de que o candidato de fato seria Lula.

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