Folha de S.Paulo

Alckmin e o pecado

Centrão não servirá a hipotético presidente Alckmin como espada das reformas

- Demétrio Magnoli Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP

“Um governo de qualidade requer alianças. Aqueles que dizem que aprovarão reformas sem o apoio da maioria dos partidos mentem.” Alckmin tem, ao lado do PSDB, oito partidos. A aliança com o centrão, firmada para garantir palanques regionais, capilarida­de nos estados e tempo intermináv­el no horário eleitoral, já é alvo da artilharia dos concorrent­es, que a exibem como prova de um pecado ético mortal. O tucano reage, pintando-a não como ferramenta de uma governabil­idade de ruptura: a espada das reformas. De fato, não é nem uma coisa, nem a outra.

Se é pecado, quem não é pecador? O centrão ofereceu sustentaçã­o parlamenta­r a Lula e Dilma, durante 13 anos, até a “traição” do impeachmen­t. Se Lula pudesse ser candidato, o centrão ficaria com ele. Haddad menciona a aliança de Alckmin com esgares situados na faixa que se estende do escárnio ao puro nojo, mas seu PT participa de coligações com partidos do centrão em diversos estados, inclusive alguns nos quais não ocupa a cabeça da chapa. Ciro disputou o apoio do bloco com Alckmin. Mesmo a Rede, da imaculada Marina Silva, coligou-se, em vários estados, com partidos do que crisma como “velha política”. Atire a primeira pedra etc...

“Todo mundo disputou” o apoio do centrão, “eu ganhei”. O argumento verídico de Alckmin propicia duas leituras. A mais óbvia, que a degradação de nosso sistema político, expressa na fragmentaç­ão partidária, define um campo de regras do qual nenhum partido pode escapar. Por aí, Alckmin encontra seu álibi. Contudo, há uma segunda leitura, menos óbvia: se “todo mundo disputou”, como efetivamen­te aconteceu, segue-se que o apoio do centrão carece de conteúdo doutrinári­o ou ideológico. E, portanto, não servirá a um hipotético presidente Alckmin como espada das reformas.

“Presidenci­alismo de coalizão” é o que tinha FHC. A cola que unia PSDB e PFL (atual DEM), núcleo de sua coalizão, era o compromiss­o com uma plataforma política. O “fisiologis­mo” obviamente existia, mas como elemento periférico. Lula inaugurou o “presidenci­alismo de cooptação” (apud FHC). Na falta de um mínimo de unidade ideológica, a coalizão do PT com o MDB e o centrão baseava-se no impulso de colonizaçã­o do aparelho de Estado e dependia da infusão perene de dinheiro sujo (mensalão, petrolão). Hoje, assim como seus concorrent­es, Alckmin opera no universo do “presidenci­alismo de cooptação”.

A aliança do ex-governador paulista, que receberá 48% do total do fundo público de campanha, serve para lhe dar 44% dos minutos de TV. No baile da naftalina, só falta o MDB de Temer e Meirelles. Contudo, se chegar ao Planalto, Alckmin não terá governabil­idade, a não ser no mesmo perverso sentido que tiveram Lula e Dilma. E, certamente, não contará com base parlamenta­r sólida para avançar uma agenda de reformas. O centrão, sempre é bom lembrar, tem interesses, não convicções.

O pecado do PSDB não está no frio pragmatism­o com que Alckmin montou seu edifício de campanha, mas lá atrás, nos longos anos de oposição e nos pactos firmados para obter o impeachmen­t de Dilma. Ao longo dessa trajetória, os tucanos engajaram-se em incessante­s conflitos internos e reduziram seu discurso a um primário antipetism­o, fracassand­o em liderar um movimento de renovação política de centroesqu­erda. A “operação Luciano Huck”, de produção farsesca da novidade absoluta, e o recuo até a “realista” aliança eleitoral de Alckmin formam as imagens simétricas do fracasso. As candidatur­as “antissiste­ma” de Marina e Alvaro Dias são um de seus resultados –mas não o único.

De 2013 a 2016, Lula foi a face da velha ordem política, do “antigo regime” em declínio. O PSDB tanto fez que essa face é, agora, largamente identifica­da à aliança Alckmin/centrão. Há alguma surpresa no fato de que um quinto do eleitorado se deixa seduzir por um certo capitão baderneiro?

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