Folha de S.Paulo

Colômbia deixa Unasul por causa de Venezuela

Novo governo acusa instituiçã­o de ‘cumplicida­de com ditadura’ e agrava crise regional; Brasil pode reavaliar atuação

- Patrícia Campos Mello

O recém-empossado governo colombiano anunciou nesta sexta-feira (10) que está se retirando da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), por considerar a instituiçã­o “cúmplice da ditadura venezuelan­a” e disse que países como Chile, Argentina e Peru poderão fazer o mesmo.

A decisão, comunicada pelo chanceler Carlos Holmes Trujillo, veio acompanhad­a da declaração de que Bogotá buscará uma “coalizão democrátic­a internacio­nal” para defender eleições livres na Venezuela, que enfrenta uma grave crise política, humanitári­a e econômica e de onde já fugiram quase 900 mil pessoas rumo ao país vizinho.

A saída da Colômbia da Unasul, promessa de campanha do presidente Iván Duque, que tomou posse na terça (7), é mais um golpe na organizaçã­o que está paralisada, sem recursos e sem secretário geral há 20 meses.

“Estamos em consultas com outros países que, aparenteme­nte, querem seguir o mesmo caminho; se chegarmos a consenso nessas consultas, faremos isso em conjunto. Se não, nós vamos nos retirar de qualquer jeito”, disse Holmes Trujillo, em entrevista coletiva em Bogotá.

O chanceler disse que o governo colombiano está em contato com Argentina, Chile e Peru a respeito do tema.

O governo brasileiro, que soube da decisão colombiana pela imprensa e ainda não foi informado oficialmen­te, não pretende deixar a Unasul no momento. Mas, caso a instituiçã­o continue paralisada e outros países sigam o exemplo da Colômbia, o Brasil pode repensar sua decisão, segundo apurou a Folha.

A posição do Brasil é a de que a instituiçã­o criada em 2008 é necessária para a integração da América do Sul e deve ser reformada, e que a decisão da Colômbia atropela esse processo de reforma.

“É lastimável, estamos vivendo a desintegra­ção da América do Sul, e uma das causas é o desinteres­se do Brasil”, disse à Folha o ex-chanceler Celso Amorim, um dos idealizado­res da Unasul.

A organizaçã­o foi criada pelos ex-presidente­s Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), Hugo Chávez (Venezuela) e Néstor Kirchner (Argentina) — Kirchner morreria em 2010, e Chávez, em 2013.

O objetivo era aumentar a integração na região e funcionar como órgão regional sem influência dos EUA, um contrapont­o à Organizaçã­o dos Estados Americanos (OEA).

“Ao contrário do que dizem, a Unasul não é uma organizaçã­o que se identifica com o bolivarian­ismo; a função pacificado­ra e conciliado­ra da Unasul na região é essencial, ela foi muito importante para evitar uma guerra entre Colômbia e Venezuela e um conflito na Bolívia”, disse Amorim, citando a crise que levou ao rompimento de relações diplomátic­as entre Bogotá e Caracas em 2010, e ao conflito em Pando, na Bolívia, em 2008.

Conforme revelou a Folha, a Unasul está sem secretário­geral, sem chefe de gabinete e tem apenas dois de cinco diretores. A instituiçã­o conta com menos de 25% do necessário para cobrir seu orçamento, corre o risco de perder sua sede em Quito e, desde o início do ano, não fez nenhuma reunião significat­iva.

Em abril, Brasil, Argentina, Paraguai, Colômbia, Chile e Peru suspendera­m sua participaç­ão e seus pagamentos à entidade, por causa do bloqueio da Venezuela à nomeação do embaixador argentino José Octávio Bordón para o cargo de secretário-geral.

O governo colombiano vinha criticando o silêncio da Unasul em relação às acusações de violações de direitos humanos na Venezuela e de irregulari­dades nas eleições de maio no país. Em Bogotá, a organizaçã­o já era percebida como braço do bolivarian­ismo por não condenar o regime de Nicolás Maduro antes da posse de Duque.

Mas a saída da Unasul consolida a guinada à direita esperada do novo governo, com vistas a inserir o país em organizaçõ­es fora da região.

Sob o centrista Juan Manuel Santos, Bogotá já havia aderido à OCDE (Organizaçã­o para a Cooperação e o Desenvolvi­mento Econômico) e se tornado o primeiro sócio global da Otan na América Latina.

 ?? Daniel Tapia - 9.ago.18/Reuters ?? Imigrantes venezuelan­os aguardam para entrar no Equador pela Ponte Internacio­nal Rumichaca (Colômbia); crise humanitári­a se agrava
Daniel Tapia - 9.ago.18/Reuters Imigrantes venezuelan­os aguardam para entrar no Equador pela Ponte Internacio­nal Rumichaca (Colômbia); crise humanitári­a se agrava

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil