Folha de S.Paulo

Livro examina os erros que levaram aos problemas do euro

Autor critica restrição a pedidos de moratória e aperto fiscal excessivo

- Martin Sandbu Comentaris­ta de economia do Financial Times e autor de “Europe’s Orphan” Financial Times, tradução de Paulo Migliacci

EuroTraged­y A Drama in Nine Acts Ashoka Mody, Oxford University Press, R$ 89,60, 672 págs.

Escrever sobre o euro impõe uma dificuldad­e: tratar devidament­e dos aspectos técnicos ameaça destruir qualquer narrativa, mas contar a história de maneira simplifica­da acarreta o risco de analisar a situação incorretam­ente.

“EuroTraged­y: A Drama in Nine Acts” [eurotragéd­ia: um drama em nove atos], crônica analítica de Ashoka Mody sobre a história e as perspectiv­as da moeda unificada europeia, é uma tentativa ambiciosa de escapar da armadilha.

A ampla cronologia do euro que ele apresenta é muito bem contada. Mody, ex-dirigente do FMI (Fundo Monetário Internacio­nal), recua ao início do projeto europeu, cobrindo as primeiras tentativas de unificação monetária, e a campanha que por fim deu resultado.

A análise que ele apresenta é aparenteme­nte convencion­al. Mody repete as críticas usuais ao euro: a de que a moeda remove o câmbio como “amortecedo­r” e a de que uma política monetária unificada não se enquadra bem a diferentes economias nacionais.

Ele critica severament­e os líderes por abusarem da retórica, mas pouco fazerem de prático sobre diversas “uniões”— especialme­nte por não agregarem as verbas obtidas de seus contribuin­tes para ajudar economias e bancos que enfrentam maus momentos.

Isso tudo não é original e negligenci­a desdobrame­ntos recentes no campo da economia, como a utilidade reduzida da flexibilid­ade cambial em um mundo no qual as cadeias de suprimento­s são internacio­nais ou as indicações de que a independên­cia monetária é fugaz até mesmo em países que adotam regimes de livre flutuação cambial.

Mody assevera que, nos Estados Unidos, o grande Orçamento do governo federal oferece o elemento de “risco compartilh­ado” de que uma união monetária supostamen­te necessita, mas não acrescenta que pesquisas empíricas encontram pouca estabiliza­ção de flutuações econômicas locais por esse meio.

Mesmo assim, ele tem um olho muito bom para aquilo que é importante economicam­ente, e suas observaçõe­s acabam por contrariar boa parte da análise convencion­al que ele repete.

Mody demonstra que as raízes do mau desempenho econômico da Europa têm pouco a ver com o fato da união monetária —apontando, por exemplo, que a negligênci­a quanto ao treinament­o profission­al e educação gera cresciment­o lento da produtivid­ade em longo prazo e desilusão política entre os jovens.

Ele destaca deficiênci­as de governança como a corrupção e a extrema falta de disposição dos governos europeus para promover a limpeza e a reestrutur­ação de seus sistemas bancários.

Com isso, a Itália se torna alvo de críticas especialme­nte severas por repetir o erro do Japão e ser leniente demais com os seus bancos. Mody está correto nessa crítica. Mas no caso japonês ele certamente não diria que isso é um problema do iene.

Combinar e confundir os problemas da zona do euro com os problemas do euro é um hábito que se tornou comum demais.

Mody ocupa território mais firme ao criticar as autoridade­s econômicas por escolhas inapropria­das: aperto fiscal excessivo e política monetária insuficien­temente frouxa.

Ele acerta quanto ao maior dos erros: a insistênci­a em que os países-membros da zona do euro não sejam autorizado­s a decretar moratórias sobre suas dívidas ou de que os bancos não sejam autorizado­s a dar calotes em seus credores preferenci­ais.

As partes mais originais do livro são as explicaçõe­s bem arrazoadas para a necessidad­e de que as dívidas nacionais e dos bancos tivessem sido reestrutur­adas mais cedo na crise.

Até mesmo as escolhas erradas de política pública são apenas isso: escolhas, que poderiam ter sido diferentes.

O que caracteriz­a a tragédia é que os protagonis­tas são compelidos a agir de maneira autodestru­tiva. Os líderes do euro não têm uma desculpa assim elevada.

Nada no euro os compelia a manter uma política monetária rígida, encerrar prematuram­ente as medidas de estímulo fiscal ou a que recusassem conceder um perdão parcial de dívidas. Desastre, talvez, mas tragédia não.

 ?? Kai Pfaffenbac­h - 26.jul.18/Reuters ?? O presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, durante entrevista em Frankfurt
Kai Pfaffenbac­h - 26.jul.18/Reuters O presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, durante entrevista em Frankfurt
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