Para evitar um gol contra do Cade, Banco Central espalmou a bola
A XP é uma plataforma on-line de negociação de valores mobiliários e de distribuição de investimentos de outras instituições, como CDBs, LCI e outras alternativas de aplicação financeira.
Detém quase 50% do mercado em que atua e é uma das mais bem-sucedidas entre as chamadas fintechs brasileiras.
Nesta sexta-feira (10), o Bacen (Banco Central) decidiu que o Itaú não poderá deter imediatamente o controle acionário da XP.
É uma providência que mitiga os danos causados pela controversa decisão anterior do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), que surpreendentemente permitiu a aquisição.
Vista estritamente sob o mérito, a medida tomada pelo Banco Central foi acertada, pois reforça a concorrência.
Consideradas suas atribuições institucionais, entretanto, a decisão foi um retrocesso, pois o BC exorbitou de sua competência.
Esse retrocesso faz crescer a desconfiança —que já não era pequena— entre os consumidores, sobre a real capacidade das diversas agências de regulação econômica do país de exercerem com competência os seus papeis específicos.
De fato, o Cade ter permitido a aquisição da XP pelo Itaú foi muito ruim.
A baixa competição no segmento bancário, que vem se agravando nos últimos anos, só pode ser contrastada pelo surgimento e crescimento das chamadas fintechs —empresas financeiras que, por utilizarem tecnologias mais avançadas e atuarem em nichos, podem operar com custos muito menores do que os grandes bancos.
E elas vêm incomodando as grandes instituições.
Manter um ambiente de independência das fintechs é essencial para que se estabeleça real concorrência no mercado bancário brasileiro.
A conselheira Cristina Alckmin —que foi voto vencido na decisão do Cade— sublinhou exatamente esse aspecto do julgamento: se o Cade autoriza o maior banco privado a comprar a corretora on-line que detinha 50% do mercado dessas plataformas, como o órgão poderá futuramente proibir a absorção de plataformas menores?
Depois do estrago, é claro que a decisão do BC é positiva para esse caso específico, mas levanta preocupações sobre a qualidade das instituições que devem zelar pela regulação econômica no Brasil.
Para consertar um erro, o Banco Central cometeu o erro —talvez mais grave— de ir além de seu mandato.
Sempre houve conflito de competências entre o BC e o Cade no que respeita os processos de aquisição no setor financeiro.
Esse conflito teria sido dirimido pelo acordo feito pelos dois órgãos, segundo o qual o Banco Central se ateria apenas à análise de risco sistêmico que pudesse haver em processos dessa natureza, enquanto ao Cade caberia a análise estrita de concorrência.
Com a decisão anunciada nesta sexta-feira, o Banco Central rompeu com esse arranjo. Daqui para a frente, qualquer decisão do Cade poderá ser desfeita pelo Banco Central.
Em outras palavras, temos insegurança jurídica e desordem institucional.
Para facilitar o entendimento, vale alusão ao futebol. Para evitar o gol contra do Cade, o Banco Central espalmou a bola, mesmo não sendo o goleiro.
A decisão nos salvou de uma derrota feia, mas à custa de as instituições meterem os pés pelas mãos. E assim não se ganha o campeonato.
A baixa competição no segmento bancário, que vem se agravando, só pode ser contrastada pelas fintechs
Manter um ambiente de independência das fintechs é essencial para uma real concorrência no mercado bancário