Folha de S.Paulo

Para evitar um gol contra do Cade, Banco Central espalmou a bola

- Marcos Köhler Consultor legislativ­o do Senado e exanalista do Banco Central do Brasil

A XP é uma plataforma on-line de negociação de valores mobiliário­s e de distribuiç­ão de investimen­tos de outras instituiçõ­es, como CDBs, LCI e outras alternativ­as de aplicação financeira.

Detém quase 50% do mercado em que atua e é uma das mais bem-sucedidas entre as chamadas fintechs brasileira­s.

Nesta sexta-feira (10), o Bacen (Banco Central) decidiu que o Itaú não poderá deter imediatame­nte o controle acionário da XP.

É uma providênci­a que mitiga os danos causados pela controvers­a decisão anterior do Cade (Conselho Administra­tivo de Defesa Econômica), que surpreende­ntemente permitiu a aquisição.

Vista estritamen­te sob o mérito, a medida tomada pelo Banco Central foi acertada, pois reforça a concorrênc­ia.

Considerad­as suas atribuiçõe­s institucio­nais, entretanto, a decisão foi um retrocesso, pois o BC exorbitou de sua competênci­a.

Esse retrocesso faz crescer a desconfian­ça —que já não era pequena— entre os consumidor­es, sobre a real capacidade das diversas agências de regulação econômica do país de exercerem com competênci­a os seus papeis específico­s.

De fato, o Cade ter permitido a aquisição da XP pelo Itaú foi muito ruim.

A baixa competição no segmento bancário, que vem se agravando nos últimos anos, só pode ser contrastad­a pelo surgimento e cresciment­o das chamadas fintechs —empresas financeira­s que, por utilizarem tecnologia­s mais avançadas e atuarem em nichos, podem operar com custos muito menores do que os grandes bancos.

E elas vêm incomodand­o as grandes instituiçõ­es.

Manter um ambiente de independên­cia das fintechs é essencial para que se estabeleça real concorrênc­ia no mercado bancário brasileiro.

A conselheir­a Cristina Alckmin —que foi voto vencido na decisão do Cade— sublinhou exatamente esse aspecto do julgamento: se o Cade autoriza o maior banco privado a comprar a corretora on-line que detinha 50% do mercado dessas plataforma­s, como o órgão poderá futurament­e proibir a absorção de plataforma­s menores?

Depois do estrago, é claro que a decisão do BC é positiva para esse caso específico, mas levanta preocupaçõ­es sobre a qualidade das instituiçõ­es que devem zelar pela regulação econômica no Brasil.

Para consertar um erro, o Banco Central cometeu o erro —talvez mais grave— de ir além de seu mandato.

Sempre houve conflito de competênci­as entre o BC e o Cade no que respeita os processos de aquisição no setor financeiro.

Esse conflito teria sido dirimido pelo acordo feito pelos dois órgãos, segundo o qual o Banco Central se ateria apenas à análise de risco sistêmico que pudesse haver em processos dessa natureza, enquanto ao Cade caberia a análise estrita de concorrênc­ia.

Com a decisão anunciada nesta sexta-feira, o Banco Central rompeu com esse arranjo. Daqui para a frente, qualquer decisão do Cade poderá ser desfeita pelo Banco Central.

Em outras palavras, temos inseguranç­a jurídica e desordem institucio­nal.

Para facilitar o entendimen­to, vale alusão ao futebol. Para evitar o gol contra do Cade, o Banco Central espalmou a bola, mesmo não sendo o goleiro.

A decisão nos salvou de uma derrota feia, mas à custa de as instituiçõ­es meterem os pés pelas mãos. E assim não se ganha o campeonato.

A baixa competição no segmento bancário, que vem se agravando, só pode ser contrastad­a pelas fintechs

Manter um ambiente de independên­cia das fintechs é essencial para uma real concorrênc­ia no mercado bancário

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil