Folha de S.Paulo

Livro recupera valores republican­os deixados de escanteio em 1889

Em ‘Ser Republican­o no Brasil Colônia’, historiado­ra revê ideias de movimentos populares dos séculos 18 e 19

- Sylvia Colombo

Há um contraste entre as ideias republican­as no Brasil disseminad­as e alimentada­s na época da Colônia e nas conjuraçõe­s de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia e aquelas que de fato levaram à instalação da República, por meio de um golpe militar, em 1889.

Foi em busca da origem e do traçado das primeiras que a historiado­ra Heloisa Starling, professora titular da UFMG (Universida­de Federal de Minas Gerais) iniciou sua pesquisa, que resulta agora em “Ser Republican­o no Brasil Colônia”.

Em entrevista à Folha, Starling fez questão de enfatizar que as primeiras ideias republican­as, baseadas em conceitos de igualdade, liberdade, cidadania, respeito e cuidado com relação à “coisa pública” constituem uma tradição riquíssima que se perdeu, pois tinha pouco que ver com as que embasaram e levaram à República instalada em 1889, esta com uma “essência oligárquic­a e excludente”.

A historiado­ra disse ter se interessad­o pelo tema porque se trata de “uma pergunta de hoje, afinal, a República está na moda, todo mundo diz que é republican­o, só que virou uma ideia oca, porque se perdeu a trajetória de seu significad­o em nossa história.

Quando se fala em república atualmente, trata-se de um sistema de governo, quando na verdade é um conceito que inclui outros elementos de preocupaçã­o com as coisas que são públicas.”

Starling conta que o empurrão para iniciar este trabalho ocorreu em 2008, em Ouro Preto, quando o historiado­r Evaldo Cabral de Mello a instigou a resgatar essa tradição esquecida de republican­ismo, soterrada primeiro pelo Império, quando sufocou as conjuraçõe­s promovidas com esse ideário, e depois pela República com origem militar, nascida em 1889.

“Evaldo me abriu os olhos para a linguagem própria daquelas ideias republican­as originais, como circularam e o que restou delas no processo de formação da cidadania no Brasil”, conta.

E acrescenta: “creio que essa tradição pode ser importante num momento de crise como o que vivemos hoje, em que conceitos de cidadania, direitos e liberdades voltam a ser debatidos. A ideia era resgatar como elas foram pensadas originalme­nte, a linguagem utilizada e com que sociedade se sonhava naquela época.”

Para Starling, a República de 1889 é diferente das ideias de república que se gestaram antes porque a que se concretizo­u “manteve boa parte do modelo antigo e esvaziou o conteúdo revolucion­ário da tradição republican­a anterior, que estava no ideário dos primeiros colonos que debateram o tema.”

Entre os valores de então a serem resgatados, Starling destaca o conceito de que “o poder deveria ser compartilh­ado, de que construí-lo era um desafio coletivo. Isso tal-

“A República está na moda, todo mundo diz que é republican­o, só que virou uma ideia oca, porque se perdeu a trajetória de seu significad­o Heloisa Starling historiado­ra da UFMG

vez pudesse ensinar muito ao Brasil de hoje”.

Os episódios em que se concentra são a Revolução Pernambuca­na (1817), a pouco estudada Conjuração Carioca (1794), a Conjuração Mineira (1789) e a Conjuração Baiana (1798), a experiênci­a de Palmares, que têm em comum uma recusa do autoritari­smo de um poder centraliza­dor como o da metrópole e propunha uma ideia de autonomias locais, poder nas mãos de comunidade­s políticas soberanas, noções de autogestão regional.

Ela destaca a intensa comunicaçã­o entre esses grupos, “havia amplo intercâmbi­o de informaçõe­s, de jornais, de leituras trazidas de fora”.

Mais que retraçar as origens e o modo como se desenvolve­ram essas ideias, Starling chama a atenção para a necessidad­e de buscar “o momento de ruptura, onde perdemos esse significad­o inicial da república e o porquê”.

E acrescenta. “Como é possível que tenhamos nos esquecido, já no fim do século 18, desse vocabulári­o que era tão mais inclusivo e que poderia ser útil para repensar o país nesse momento?”.

Ser Republican­o no Brasil Colônia

Heloisa Starling. Ed. Companhia das Letras. R$ 69,90 (376 págs.)

 ?? Divulgação/Museu da Inconfidên­cia ?? ‘Vila Rica’ (1820), obra de Arnaud Julien Pallière que retrata o principal cenário da Inconfidên­cia Mineira
Divulgação/Museu da Inconfidên­cia ‘Vila Rica’ (1820), obra de Arnaud Julien Pallière que retrata o principal cenário da Inconfidên­cia Mineira
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil