Paralisação e seca elevam o preço do leite ao consumidor
No supermercado, o litro já bateu em R$ 4 ou até mais; para o produtor, a remuneração é baixa
Nos supermercados, o preço do litro do leite deu um salto, chegando a R$ 4 —e não deve cair até outubro. Entre os motivos estão a falta de chuva, que secou os pastos, e a paralisação dos caminhoneiros, que prejudicou a dieta dos animais e comprometeu a lactação.
Com a falta de chuvas, os pastos estão secos. A paralisação dos caminhoneiros prejudicou a dieta das vacas. A baixa cotação do leite nos últimos anos desestimulou investimentos e até fez alguns abandonarem o setor. Os estoques nas indústrias estão baixos.
O resultado dessa equação se vê no dia a dia do consumidor lá nos supermercados: o preço do leite deu um salto. E não deve cair nos próximos meses.
Em julho foi registrado o mais baixo nível de chuvas desde 1931, segundo o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico). Não há sinais de melhora em agosto. A seca que se arrasta desde o primeiro semestre deixou as pastagens ralas —e assim elas tendem a ficar nos próximos meses.
Essa é, por exemplo, a paisagem no sítio de Fernando Fonseca, no sul de Minas Gerais. Sem encontrar preço adequado, a família já pensa em trocar de atividade.
“Não consigo comercializar o leite por mais de R$ 1,10, valor muito baixo, desanimador. E estou produzindo menos por causa da seca”, afirmou.
Fonseca chegou a obter 14 litros de leite diários por vaca, volume hoje que é de 11 litros.
Apesar de serem os donos da matéria-prima, os produtores não são os únicos responsáveis pelo preço do leite, que tem sido vendido a até R$ 4 em supermercados.
Dados do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/ USP, mostram que em julho o preço do leite pago aos produtores subiu pelo sexto mês seguido, batendo recorde.
No país, o preço médio chegou a R$ 1,4781. Em São Paulo e Minas, os valores são mais altos —R$ 1,5001 e R$ 1,5311, respectivamente.
O preço é formado nas indústrias, que processam o leite recebido e o transformam em produtos estocáveis, segundo Natália Grigol, pesquisadora do Cepea.
Elas formarão o preço baseadas no consumo e, consequentemente, no volume de produção que conseguem escoar em tempo hábil.
“A indústria, além do preço da matéria-prima, tem o custo de transformação, estoque e logística. Ela acaba tendo maior poder de negociação. E o canal de distribuição tem de arcar com refrigeração e estoques, entre outros pontos.”
A Folha procurou a Viva Lácteos (Associação Brasileira de Laticínios) na sexta-feira (10), mas não foi possível ouvir o porta-voz da entidade.
Apesar de o preço ter subido nos últimos meses, nem todos os produtores conseguem receber o valor médio, e os reajustes que têm sido registrados para o consumidor não chegam na mesma proporção ao campo.
“O preço só tem servido para pagar os custos, não há reajuste real há muito tempo”, disse o pecuarista José Antônio Eiras, de Barretos (SP).
Ele, que produz cerca de 1.100 litros por dia, disse que tem vendido o leite a R$ 1,20. “Mas tem produtor menor que consegue só R$ 0,80 ou R$ 0,90 ao vender às cooperativas. Quanto menos leite tem, menor é o preço”, disse.
A Estância Santa Luzia só não teve menos lucro com o leite por ter 11 hectares irrigados de pasto e por produzir ração para o gado no local. “Insumos são cotados em dólar, que subiu muito e ajudou a inibir o lucro do produtor”, disse o veterinário Márcio Franco Eiras, filho de José e um dos gestores da propriedade.
Embora tenha ocorrido na segunda quinzena de maio, a paralisação dos caminhoneiros contribuiu para o aumento do preço do leite como saída para a recomposição dos estoques das empresas.
Além disso, a dieta restritiva imposta aos animais por causa da escassez de insumos durante os protestos nas estradas gerou queda na produtividade e comprometeu o pico de animais em lactação. A normalização do sistema fisiológico pode levar um ano.
Com esse cenário, os preços para os consumidores só devem ter queda a partir do fim da entressafra, em outubro, na avaliação do engenheiroagrônomo Paulo Fernando de Brito, chefe do Escritório de Defesa Agropecuária de Barretos, órgão da Secretaria da Agricultura paulista.
“A tendência é que a seca vá até outubro e, com ela, há redução da produção do leite, o que impulsiona o preço ao consumidor para cima”, disse.
Grigol afirmou que o preço tem aumentado justamente por ter mais fatores limitadores de oferta neste ano.
“Teve o efeito da greve nas estradas, que foi pontual, e teve a entressafra natural de todos os anos, mas também no início do ano a produção foi impactada porque produtores estavam desestimulados com a atividade e muitos desistiram, após um 2017 muito ruim”, disse.
Fonseca, o produtor que pensa em desistir da produção de leite, já pensa em plantar café na propriedade. “Seria ruim, pois a história da família foi feita com o leite.”