Folha de S.Paulo

Amélia elogiou Dilma, apoiou Manuela e admira Brizola

Apesar dos acenos à esquerda, vice de Alckmin hoje se diz conservado­ra

- Felipe Bächtold

Antes de se tornar uma alternativ­a para deter o avanço do presidenci­ável Jair Bolsonaro (PSL) no Sul do país, a senadora gaúcha Ana Amélia Lemos (PP) teve em sua curta trajetória política momentos de aproximaçã­o com a esquerda, como uma aliança com Manuela D’Ávila (PC do B), provável vice na chapa petista à Presidênci­a.

Uma derrota eleitoral para o PT, em 2014, na qual foi alvejada por uma acusação de ter emprego público enquanto trabalhou como jornalista na iniciativa privada, marcou o acirrament­o do discurso da senadora, hoje escolhida vice do presidenci­ável tucano Geraldo Alckmin.

Apresentad­ora e colunista de veículos do grupo RBS (afiliada da Globo) até 2010, Ana Amélia, 73, estreou na política vencendo naquele ano sua primeira eleição, para o Senado, em uma coligação liderada pelo PSDB, da então governador­a Yeda Crusius.

Em seus primeiros tempos de mandato, pregava moderação, estilo parecido com o qual se tornou conhecida como comentaris­ta. Na época em que a presidente Dilma Rousseff ostentava elevada popularida­de, Ana Amélia chegou a elogiar a petista, sua antiga fonte como jornalista. “Dilma fará a República das mulheres e vai apostar na intuição feminina”, disse, em 2011, ao falar de nomeações.

Em uma rede social, confidenci­ou que havia enviado flores à petista pela sanção de um projeto seu.

Em 2012, Ana Amélia articulou o apoio de seu partido à candidatur­a de Manuela D’Ávila a prefeita de Porto Alegre.

Inusitada, a aliança buscava ganhos mútuos. Manuela, à época com 30 anos, tentava mostrar que tinha maturidade para administra­r a cidade. Ana Amélia pretendia firmar pontes com outros grupos políticos e ganhar visibilida­de, já tendo em vista as eleições seguintes.

Os principais candidatos na cidade eram aliados de Dilma. Dentro de seu partido, o apoio ao PC do B foi rejeitado, e Ana Amélia ficou impedida de pedir votos para Manuela no programa eleitoral na TV. A senadora, porém, insistiu no apoio, subiu em palanques e gravou depoimento­s. “Sonho não tem idade”, disse ela, na campanha.

Após um bom início nas pesquisas, a candidatur­a de Manuela definhou e foi derrotada pelo então prefeito José Fortunati, do PDT, acabando em um distante segundo lugar, com 18% dos votos.

Antes da campanha de 2014, a senadora do PP foi procurada pelo ex-governador pernambuca­no Eduardo Campos (PSB), que se lançava à Presidênci­a disputando o campo político petista. A negociação não prosperou.

Também foi cogitada à época como vice na chapa do presidenci­ável tucano Aécio Neves, mas acabou decidindo pela candidatur­a ao governo gaúcho, então administra­do pelo petista Tarso Genro.

Formou chapa com o PSDB, mas, como o PP apoiava Dilma nacionalme­nte, também teria problemas para mostrar o tucano no horário eleitoral. “As pessoas sabem de que lado nós estamos. Eu posso botar na minha testa o nome do Aécio. E vou fazer isso se for preciso”, disse ela.

Começou a campanha como favorita, junto com Tarso, que tentava associá-la ao rejeitado governo de Yeda. O adversário afirmava ainda que ela “não conhecia o Rio Grande”, por ter vivido mais de 30 anos em Brasília, onde fez sua carreira de jornalista.

Mas a reviravolt­a viria a menos de um mês do primeiro turno, quando um site com ligações com o PT revelou que ela tinha sido funcionári­a comissiona­da do Senado na década de 1980 no gabinete de seu marido, o então senador Octávio Omar Cardoso, que morreu em 2011. Naquele tempo, ela já atuava no grupo RBS em Brasília.

Ana Amélia se explicou, negou irregulari­dades e disse que conciliava as atividades no Congresso com seu trabalho na rede de comunicaçã­o. O desgaste, no entanto, aumentava com a exposição do assunto no horário eleitoral, onde o PT chegou a chamá-la de “fantasma”.

Com a troca de acusações, acabou caindo nas pesquisas e foi superada por José Ivo Sartori, do PMDB, que acabou passando para o segundo turno e posteriorm­ente eleito.

Ela ficou com 22% dos votos, em terceiro lugar. Sem grande base eleitoral, e com domicílio em uma cidade pequena, Canela, teve mais de 50% dos votos apenas em municípios menores ainda, na região onde nasceu.

Saiu da campanha dizendo ser vítima de “difamação e calúnias”.

Voltou ao Senado e ajudou a convocar protestos contra Dilma ainda em 2014. Com o enfraqueci­mento do governo, aderiu ao impeachmen­t e participou de embates no Congresso com petistas.

“Nem todos estavam dispostos a fazer esse enfrentame­nto. Na política não existe espaço vazio. Você ocupa porque alguém deixou”, disse ela à Folha.

Sobre o apoio a Manuela, afirma que não se arrepende e que a iniciativa de seis anos atrás fortaleceu seu partido.

Neste ano, a senadora recrudesce­u seus discursos, chegando a dizer que manifestan­tes deveriam “levantar o relho” (chicote) contra a caravana do ex-presidente Lula.

Ela continua dizendo ser admiradora do ex-governador Leonel Brizola, ícone da esquerda e a quem ajudou, ao lado do PDT, a colocar no “Livro dos Heróis da Pátria” reconhecid­o pelo governo. Mas hoje é mais comum vêla ao lado de membros do MBL (Movimento Brasil Livre), mais conhecido dos grupos antipetist­as surgidos nos protestos de 2015.

“Há uma frase do [ex-governador mineiro] Magalhães Pinto: a política é uma nuvem. Você olha e a nuvem está aqui e daqui a pouco está do outro lado. Se fica como poste, fincado, arraigado a determinad­as posições e dogmas, você não avança”, afirma ela.

 ?? Reprodução ?? A senadora Ana Amélia Lemos com Manuela D’Ávila (PC do B), durante ato da campanha eleitoral de 2012
Reprodução A senadora Ana Amélia Lemos com Manuela D’Ávila (PC do B), durante ato da campanha eleitoral de 2012

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