Em retração, classes A e B ganham 464 mil negros
Avanço de pretos e pardos é único recorte positivo em levantamento sobre 2017
Quase 500 mil pessoas que se declaram pretas e pardas ascenderam às classes A e B em 2017. O movimento vai na direção oposta à tendência geral do ano passado, quando 800 mil brasileiros deixaram os estratos superiores.
A trajetória de pretos e pardos é o único recorte positivo nos dados sobre classes sociais em 2017, na comparação com 2016. Os números são baseados na Pnad Contínua anual, do IBGE (não é possível comparar com 2015, pois a pesquisa mudou).
São famílias de classe B aquelas com renda média mensal total de R$ 4.000 a R$ 14.200; acima deste valor estão as de classe A.
Para especialistas, ainda é cedo para dizer que a dinâmica positiva resulta de políticas oficiais de cotas.
O número crescente de pessoas que se dizem pretas ou pardas explica parte do fenômeno. Além disso, empresas têm buscado democratizar ambientes por meio de ações afirmativas —tendência que as cotas devem reforçar no futuro.
Embora tenham encolhido em 2017, as classes A e B receberam 464 mil pessoas que se declaram pretas e pardas. O movimento vai na direção oposta do que ocorreu no Brasil no ano passado, quando 800 mil pessoas deixaram as classes mais altas.
Apenas a base da pirâmide, a classe E, ganhou 1,5 milhão de pessoas —alta de quase 9%.
A trajetória de pretos e pardos surpreende duplamente: não só porque se deu em um ambiente de crise e redução de cargos de remuneração mais alta, mas também porque é o único recorte positivo entre todas as classes de renda, de 2016 para 2017.
O avanço de pretos e pardos foi de 5,4% na classe A e de 1,2% na B, aponta levantamento feito para a Folha por Cosmo Donato, economista da LCA Consultores.
No geral, a classe A retraiu 2,7% e a classe B, 0,7%.
“Se a gente não estivesse em crise, é possível que essa inserção tivesse sido até mesmo maior”, diz Donato.
Os números inéditos são baseados na Pnad Contínua anual, pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A comparação com período anterior não é possível porque a pesquisa mudou.
São consideradas famílias da classe A aquelas com renda média mensal total acima de R$ 14.200 e as de classe B, entre R$ 4.000 e o valor mais alto. Já famílias de classe E têm renda mensal total de até R$ 714.
Os dados são atualizados pela inflação e, para efeito da pesquisa, quatro pessoas compõem uma família.
Para especialistas, o número cada vez maior de pessoas que se reconhecem como pretas ou pardas explica boa parte do crescimento dessa população nas classes mais altas. Isso, porém, não é tudo.
Embora se avalie que ainda é cedo para dizer que a dinâmica positiva resulta das políticas oficiais de cotas, há o diagnóstico de que, aos poucos, as empresas buscam democratizar seus ambientes com ações afirmativas —algo que as políticas de cotas devem reforçar mais à frente.
“Não tenho dúvida de que há um olhar mais inclusivo, embora não seja possível dizer que a mudança para valer já ocorreu”, diz Rachel Maia, uma das pouquíssimas negras a alcançar a presidência de uma empresa, no caso a da joalheria Pandora, cargo que deixou há cerca de dois meses.
Antes, conta ela, o líder da empresa abria um cargo de gestão e ele era preenchido por brancos. “Hoje, chamam cinco pessoas para concorrer à vaga e ao menos duas delas devem ser negras”, diz.
Para José Vicente, reitor da faculdade Zumbi dos Palmares, a pequena, embora significativa alta da parcela de negros nas classes mais altas em 2017, deriva da maior visibilidade desses indivíduos em todos os espaço sociais, mais do que do acúmulo econômico a partir das políticas de cotas.
“Mas isso deverá ocorrer nos próximos anos. Há toda uma nova geração saindo da universidade e se posicionando”, diz Vicente.
Como efeito, cresce o número de jovens negros nas empresas.
Recentemente, uma companhia com cem vagas para candidatos em início de carreira e com inglês fluente pediu ajuda a Protagonizo, plataforma voltada exclusivamente para talentos negros.
Para Anderson Carvalho, sócio da Protagonizo ao lado da ex-consulesa da França Alexandra Loras, o mercado começa a ver relevância em ter equipes que espelhem a composição da população.
Outra recrutadora, a HRtech 99jobs, decidiu abrir uma versão de seu programa de trainees mais conhecido —O Melhor Estágio do Mundo— apenas para o público negro.
“Pela primeira vez, fechamos o programa mais rápido entre as empresas [Santander, Suzano, Natura e Magazine Luiza]. Depois, empresas que nem eram clientes nos contataram para saber mais. Não é questão de tendência, há busca por equalizar equipes”, diz Eduardo Migliano, presidente da 99jobs.
Diego Guedes, 25, está terminando engenharia na Universidade Tecnológica Federal do Paraná —faltam só as horas de estágio obrigatório— e passou pelas companhias neste ano. Gustavo de Jesus, 23, fez administração no Mackenzie e hoje está na Natura.
Ambos participaram do programa—Gustavo foi o único negro da primeira edição, em 2016. Para eles, a iniciativa foi vital, pois os negros não se veem inseridos nesse universo e enfrentam inúmeras batalhas.
“A vaga que pede inglês avançado barra muitos de nós”, diz Diego, crescido na periferia de Jacareí (SP).