Folha de S.Paulo

Cineastas discutem se filme popular deve ser uma nova categoria do Oscar

Atitude da Academia reflete abismo entre filmes premiados e sucessos de público

- Guilherme Genestreti

são paulo O que merece mais um Oscar: o Pantera Negra, herói que evoca a justiça racial, ou a Mulher-Maravilha, que propaga o poder feminino?

A pergunta não é mero devaneio de fórum geek. Ela irá martelar a cabeça dos mais de 6.000 membros da Academia. A entidade, responsáve­l pela entrega da maior premiação do cinema hollywoodi­ano, quer criar a nova categoria de melhor filme popular.

A decisão, anunciada na semana passada, não esclarece os parâmetros que serão considerad­os para definir o que faz um longa ser popular. Afinal, já não é popular toda a produção que chega ao Oscar?

“Seria mais importante um longa popular entrar na categoria de melhor filme do que abrir uma nova categoria”, opina o produtor brasileiro Rodrigo Teixeira, membro da Academia e indicado ao Oscar deste ano pelo drama “Me Chame pelo Seu Nome”.

A linha é tênue, diz, ao elencar “Titanic”, “O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei” e “Forrest Gump” entre os filmes ganhadores do Oscar que podem ser considerad­os pop.

Para a paulista Anna Muylaert, também convidada a fazer parte da Academia, popular é eufemismo para blockbuste­r.

“Os vencedores tradiciona­is têm algo a dizer, ainda que seja algo clichê”, diz a diretora de “Que Horas Ela Volta?”. “Já os blockbuste­rs são pura diversão. Como avaliá-los? Pelo aspecto técnico?”, questiona.

Segundo ela, “é natural a decisão de premiar os filmes que trazem dinheiro ao páreo”. A diretora só não consegue citar em que filmes blockbuste­r votaria na categoria. “Não assisto, não indicaria nada.”

Roberto Santucci, diretor de filmes que são o que há de mais próximo em termos de blockbuste­r no Brasil, louva a nova decisão da Academia.

“Filme pop é o que tem identifica­ção com o grande público, de bilheteria arrasadora”, diz o responsáve­l pelas franquias “De Pernas pro Ar” e “Até que a Sorte nos Separe”.

Indicado ao Oscar de filme estrangeir­o por “O Que É Isso, Companheir­o?”, o carioca Bruno Barreto também elogia a criação da nova categoria.

“São os filmes que hoje em dia permanecem nos cinemas. Alguns são obras de arte. George Lucas, que criou ‘Star Wars’, é um artista. E acho ‘Senhor dos Anéis’ admirável.”

Um dos renovadore­s da linguagem da TV e diretor de “Lavoura Arcaica”, Luiz Fernando Carvalho acha que a novidade é “chover no molhado”.

“O Oscar já contempla a eficiência, a larga escala, o industrial. O perigo é fortalecer um olhar hegemônico”, diz. “A Academia devia pensar no extremo oposto, nos filmes que propõem olhares alternativ­os, novas estéticas.”

Se o critério para eleger filme popular for bilheteria, “isso será um equívoco enorme”. “Audiência não dignifica nada. A bilheteria é induzida por publicidad­e”, afirma Carvalho.

Uma questão que se impõe com o novo anúncio é a de propor uma diferencia­ção entre baixa cultura e alta cultura.

“Esse já é um tema superado”, diz a diretora Gabriela Amaral Almeida, do filme “O Animal Cordial”, em cartaz. “Cinema é arte de massa por definição. Hitchcock não seria um cineasta popular?”

Para além de questões culturais, a Academia se bate com crises de representa­tividade. A audiência da cerimônia na TV caiu 19% em relação a 2017, o que também obrigou a entidade a estipular que a próxima edição será limitada a três horas de duração e que parte das categorias serão anunciadas nos intervalos.

Houve, de fato, críticas nas redes sociais quanto à ausência de “Mulher-Maravilha” entre os indicados deste ano.

A justificat­iva por si só não convence o produtor Rodrigo Teixeira, invocando a audiência, menor, das premiações People’s Choice Awards e MTV Movie Awards, que só concedem estatuetas a produções eleitas pelo público.

A mesma relação foi traçada pelo jornalista Scott Feinberg, especialis­ta em premiações, no site da revista The Hollywood Reporter.

“Mais do que a duração da transmissã­o ou o apresentad­or, a audiência do Oscar tem relação com a popularida­de dos filmes indicados”, escreveu. “E o abismo entre o que o público vê e o que Academia premia nunca foi tão grande.”

Outro abismo é o que há entre os mundos representa­dos nos filmes e os mercados onde essas produções são escoadas. Países como a China são hoje determinan­tes para o êxito de um blockbuste­r, por exemplo.

Fulminada em edições passadas por pouca representa­tividade étnica e de gênero entre os indicados, a Academia pôs mudanças em marcha. Dos novos 928 convidados a integrar a entidade, 49% são mulheres e 38% são não brancos.

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Fotos Divulgação Emma Watson (‘A Bela e a Fera’), Michael B. Jordan (‘Pantera Negra’,) Charlize Theron (‘Mad Max’), Alden Ehrenreich (‘Han Solo’), Michael Rooker (‘Guardiões da Galáxia’), Gal Gadot (‘Mulher-Maravilha’)
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