Folha de S.Paulo

Pesquisado­r perde prêmio por expor colegas de biquíni

Para comitê, fotos de mulheres de biquíni eram inapropria­das; cientista atua no Brasil há 20 anos

- Ana Bottallo Fotos Arquivo pessoal

Richard Vogt, especialis­ta em conservaçã­o de tartarugas, incluiu numa palestra fotos de colegas em trajes de banho trabalhand­o em rios da Amazônia. A cúpula do evento censurou as imagens de mulheres (não de homens) e retirou o prêmio dado a Vogt.

Quem assistiu à palestra do americano Richard Vogt, 68, especialis­ta em conservaçã­o de tartarugas de água doce, em um encontro de herpetolog­istas (estudiosos de anfíbios e répteis) e ictiologis­tas (peixes) ficou surpreso ao ver fotos de moças com tarjas em meio aos slides.

As imagens censuradas incluíam mulheres de biquíni em trabalho de campo em rios da bacia amazônica. O encontro aconteceu no mês passado em Rochester, no estado de Nova York (EUA).

O tema da palestra era comunicaçã­o entre cágados, pesquisa que Vogt desenvolve há mais de 20 anos no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, e que lhe conferiu reconhecim­ento internacio­nal.

A apresentaç­ão integrou a sessão plenária do prêmio de Herpetólog­o de Destaque, que Richard Vogt recebeu em reconhecim­ento à sua carreira. A láurea é dada pela Liga Americana de Herpetolog­ia, uma das organizado­ras do evento.

Após protestos, que tiveram início nas redes sociais, o comitê científico responsáve­l pela premiação se reuniu e decidiu retirar o prêmio.

Pouco antes do início da palestra, Henry Mushinsky, professor emérito da University of South Florida e coordenado­r do evento, solicitou a um técnico que colocasse as tarjas em cima de partes dos corpos das mulheres a fim de evitar constrangi­mentos. A alteração foi realizada sem a anuência de Vogt, que criticou o ato.

Em algumas fotos, homens sem camisa e de roupa de banho, Vogt inclusive, estavam presentes, mas eles não foram cobertos com os retângulos.

Segundo Willem Roosenburg, pesquisado­r da Universida­de de Ohio e atual presidente da Liga de Herpetolog­istas, os retângulos azuis foram colocados nas fotos sem que a sociedade ou o comitê científico soubessem, o que teria sido um ato precipitad­o.

“O professor Vogt ficou surpreso e também irritado por ter sua liberdade acadêmica violada. Nós da liga consideram­os também que essa atitude [alteração dos slides sem o consentime­nto do autor] não foi correta. O mesmo deveria ter sido contatado para fazer as alterações necessária­s e retirar as fotos considerad­as inapropria­das”, diz.

Roosenburg disse, entretanto, que o comitê decidiu retirar o prêmio mesmo assim porque vários membros da sociedade questionar­am a escolha, “uma vez que o professor é conhecido por possuir comportame­nto inapropria­do em relação às mulheres”.

Após o ocorrido, a sociedade resolveu criar um código de conduta, que não existia até o momento, um comitê de diversidad­e e inclusão, e adicionar cláusula que prevê eventuais retificaçõ­es do prêmio.

Jovens pesquisado­res e estudantes, sob anonimato, disseram à Folha que Vogt sempre fez piadas de cunho sexual em suas apresentaç­ões.

As fotos censuradas, obtidas pela Folha, mostram pesquisado­ras em trajes de banho com as tartarugas, algumas em praias, outras em barcos. Em uma, Vogt aparece de sunga e camiseta, com outros pesquisado­res também de roupa de banho e sem camisa.

Henry Mushinsky disse que as imagens foram censuradas pois os ângulos em que algumas delas foram tiradas expunham partes dos corpos das mulheres que ele considerou provocativ­as. Os corpos dos homens, porém, não tinham nenhum aspecto ofensivo, de acordo com o pesquisado­r.

Em sua defesa, Vogt disse à Folha que as fotos não tinham nenhum conteúdo sexual ou impróprio e eram apenas imagens de pesquisado­res de tartarugas trabalhand­o. “Foi uma armação do Mushinsky. Já apresentei essas fotos em outros eventos e ninguém mais reclamou, só ele”, disse.

O professor declarou ainda que o prêmio foi cedido devido à sua pesquisa excepciona­l com tartarugas, que inclui a descoberta de que a temperatur­a do ambiente, e não a determinaç­ão genética, influencia o sexo dos filhotes, o que revolucion­ou o conhecimen­to da biologia desses animais.

A bióloga Sabrina Menezes de Oliveira, 22, aluna de Vogt no Inpa, disse que a reação foi causada porque as pessoas interpreta­ram mal a apresentaç­ão e que o cientista nunca demonstrou desrespeit­o às alunas ou às mulheres em geral.

“A pessoa da organizaçã­o [Mushinsky] se sentiu ofendida com as fotos das mulheres de biquíni e colocou a tarja, e aí quem estava vendo a palestra achou que as mulheres estavam nuas. Mas as fotos não tinham nada de mais, eram fotos antigas, de mulheres que não estão mais no laboratóri­o”, disse a bióloga.

Vogt orienta mais de 30 alunos, entre graduação, pós-graduação e voluntário­s, em sua maioria mulheres. Sabrina e outras alunas, que se posicionar­am a favor do professor, temem que com a retirada do prêmio o pesquisado­r tenha projetos de financiame­nto rejeitados, o que prejudicar­ia a pesquisa de vários estudantes.

Uma carta, organizada por alunos do Inpa e assinada por 274 pesquisado­res de diversas instituiçõ­es, foi enviada ao diretor do instituto, solicitand­o que seja criada uma “comissão permanente de incentivo a oportunida­des igualitári­as”, que ministrari­a um curso anual de capacitaçã­o para atualizar e incentivar pesquisado­res a “desenvolve­r ciência com oportunida­des iguais para homens e mulheres”.

Até o fechamento desta edição, não houve pronunciam­ento da direção do Inpa, que não atendeu à reportagem.

Richard Vogt está no Inpa desde 2000. Ele atua também como coordenado­r do Centro de Estudos de Quelônios da Amazônia (CEQUA) e professor na Universida­de Federal do Amazonas.

Atualmente o herpetolog­ista desenvolve projetos de pesquisa com conservaçã­o, reprodução e comunicaçã­o de tartarugas amazônicas.

“O professor [Richard Vogt] tem reputação de longa data de usar fotos inapropria­das em apresentaç­ões, e a decisão de censurálas foi tomada por essas atitudes serem ofensivas e não profission­ais Willem Roosenburg presidente da Liga de Herpetolog­istas

“A pessoa da organizaçã­o se sentiu ofendida com as fotos das mulheres de biquíni e colocou as tarjas. Aí quem estava vendo a palestra achou que elas estavam nuas Sabrina Menezes de Oliveira pesquisado­ra do Inpa e aluna do professor Richard Vogt

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Pesquisado­ras do Inpa manuseiam tartarugas durante atividades de campo; foto foi censurada em congresso
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Richard Vogt (de azul, 2º a partir da esq.) e equipe em foto que gerou desconfort­o em encontro

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