Folha de S.Paulo

Primeiro Debate

Líderes nas pesquisas, Bolsonaro, Marina e Ciro buscam votos de adversário­s

- Celso Rocha de Barros Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universida­de de Oxford (Inglaterra)

O debate entre os presidenci­áveis da última quinta-feira (9) na TV Bandeirant­es teve poucas propostas e poucos conflitos, mas foi bastante informativ­o. O debate não mexe nas alianças nem nas disparidad­es de estrutura partidária. Mas testa os discursos que serão utilizados na comunicaçã­o direta com a população.

Isso é especialme­nte importante para os atuais líderes das pesquisas. Bolsonaro, Marina e Ciro só perderam nas negociaçõe­s partidária­s do mês passado. A eles só resta explorar todo espaço de mídia que lhes for oferecido.

Marina passou a atacar Alckmin. Faz todo sentido. Se conseguir barrar o cresciment­o de Alckmin denunciand­o suas alianças com o centrão, Marina pode chegar no final embolada com Bolsonaro e o candidato da esquerda (Haddad ou Ciro). Nesse caso, pode atrair para si o voto útil dos Alckmistas que rejeitem Bolsonaro.

Marina também voltou a explorar sua origem pobre, tentando conquistar pela identifica­ção biográfica o apoio popular que Haddad espera ganhar com a indicação de Lula.

Ciro moderou seu discurso depois que o PT lhe negou alianças à esquerda. Não acho, inclusive, que a escolha de Katia Abreu como vice tenha sido só falta de opção.

Mas o momento mais notável de Ciro no debate foi o tom de moderação e condescend­ência que adotou com Bolsonaro. Ciro espera que seu estilo atraia parte dos Bolsonaris­tas, a parte que está mais impression­ada com o estilo do que com as ideias do ex-capitão.

Bolsonaro, ainda confortáve­l nas pesquisas, conseguiu jogar pelo empate, e só perdeu o controle quando achou que Ciro havia lhe acusado de legalizar drogas (Bolsonaro aprovou projeto para liberar o uso de um remédio contra o câncer que não funciona).

No geral, repetiu as falas ensaiadas de sempre e não deu vexame.

Mas esse jogo permanente pelo empate funciona para um “mito”? Quando a atenção do público aumentar, quem espera de Bolsonaro a assertivid­ade que demonstra quando fala sozinho nas redes sociais vai ficar satisfeito com um desempenho pouco notável como o de quinta-feira?

Alckmin foi muito atacado, teve momentos bons, mas não conseguiu marcar pontos contra Bolsonaro. No momento mais esperado da noite —o embate entre os dois sobre segurança pública— Alckmin se limitou a listar medidas, enquanto Bolsonaro falava as besteiras de sempre sobre direitos humanos.

O ex-governador teria se saído melhor enfatizand­o os bons números da segurança em São Paulo como resultados concretos, contrastan­do-os com o discurso de Bolsonaro.

Haddad não participou do debate. É o preço da estratégia de manter o nome de Lula na cabeça de chapa até o final.

A semana, a propósito, foi boa para o PT. Pesquisa telefônica XP/Ipespe da semana passada mostrou Haddad em segundo lugar quando o entrevista­do é informado do apoio de Lula.

Mas se Haddad não tiver chance de aparecer como liderança independen­te (o que é, goste-se ou não dele), Ciro vai tentar colar no petista o rótulo de “poste do Lula”, que, desde Dilma, custa caro ter na testa.

Enfim, o que o debate nos mostrou foi Marina, Ciro e Bolsonaro ajustando seus perfis para resistirem ao que deve ser uma ofensiva avassalado­ra de PT e PSDB até outubro. Quem entrar sem máquina vai mesmo ter que caprichar no discurso.

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