Folha de S.Paulo

País tem recorde de partidos, mas fragmentaç­ão deve refluir

Brasil registra 35 legendas, contra 5 em 1983; apontada como culpada, legislação permissiva vai mudar

- Simon Ducroquet

são paulo Quem se dispuser a ver a propaganda eleitoral neste ano vai se deparar, novamente, com um cenário partidário complexo.

Entre velhos conhecidos, siglas que viraram slogans e debutantes, serão 35 partidos políticos. Mas isso nem sempre foi assim.

Em 1983, o Congresso que assumia estava dividido em cinco partidos. Dois deles, PMDB e PDS, eram herdeiros do sistema bipartidár­io permitido pela ditadura, em que havia apenas o oposicioni­sta MDB e o governista Arena.

A esquerda era representa­da por três partidos trabalhist­as, PT, PDT e PTB. O gráfico nesta página, uma atualizaçã­o da “Genealogia dos Partidos” publicada pela Folha em 2010, mostra como esses cinco partidos evoluíram ao longo das últimas décadas.

Após desmembram­entos e fusões, esses partidos formaram a base das grandes legendas que detiveram hegemonia das cadeiras ao longo dos anos 90 e começo dos 2000.

Mas, nos últimos anos, eles vêm sofrendo com a ameaça de um enxame de partidos nanicos.

Aglutinado­s como “centro”, já que não se identifica­m claramente com ideologias ou programas e negociam apoio com quem estiver no Planalto, são os responsáve­is pela confusão de siglas de hoje.

Bruno Bolognesi é professor de ciências políticas da UFPR (Universida­de Federal do Paraná) e coordena o Laboratóri­o dos Partidos Políticos e Sistemas Partidário, onde busca entender a forças por trás da complexa dinâmica partidária brasileira.

Ele aponta o exemplo do PRN como emblemátic­o para entender a construção do centro.

Criado para abarcar a candidatur­a de Fernando Collor em 1989, ele recebeu, em curto período, vários políticos que migraram de outros partidos.

Foi o precursor de uma tendência que se tornaria uma constante na política partidária —partidos pequenos, sem uma ideologia ou projeto de país muito claros, criados de forma oportunist­a para fazer parte do poder. E, muitas vezes, centrados em torno de um nome forte.

Com o impeachmen­t de Collor, em 1992, o partido encolheu drasticame­nte, passou a se chamar PTC e hoje não tem nenhum deputado federal.

Uma lei permissiva com a troca de legendas incentivou esse tipo de aventura, pois não impunha barreiras à migração partidária.

O professor Jairo Nicolau, da UFRJ, aponta em seu livro “Representa­ntes de Quem: Os descaminho­s do seu voto da urna à Câmara dos Deputados”, que 950 deputados federais trocaram de partido no exercício do mandato entre 1986 e 2010. Isso representa 27% dos eleitos no período.

Em 2007, o TSE decidiu que as cadeiras pertenciam ao partido, e não aos candidatos eleitos. Ou seja, deputados que mudassem poderiam perder seu mandato, que permanecer­ia com outro candidato do mesmo partido.

Isso, em tese, deveria ter barrado a migração entre partidos. Mas uma brecha que permite trocas de partidos quando uma nova legenda é criada fez o tiro sair pela culatra. Iniciou-se uma onda de novos partidos criados por dissidente­s de legendas maiores.

Segundo Bolognesi, esse movimento foi reforçado por uma caracterís­tica forte da política brasileira, o personalis­mo. Partidos são mais centrados em torno de pessoas do que em ideias.

Alguns políticos sentem desconfort­o dentro de estruturas partidária­s maiores, onde decisões passam por longas discussões internas e recursos precisam ser divididos.

Eles então criam um partido para chamar de seu ou migram para um nanico.

O sistema de coligações também é um incentivo, já que permite que partidos menores se unam durante o período eleitoral, somando forças como tempo de TV e fundo para financiame­nto.

Com isso, eles podem dividir o quociente eleitoral e negociar presença num possível futuro governo.

Em outros países há barreiras para impedir ou desestimul­ar movimentos que levam à fragmentaç­ão partidária. Como aponta Bolognesi, a singularid­ade do sistema brasileiro não é a profusão de siglas, já que muitos países possuem mais partidos que o Brasil. A diferença é que eles possuem mecanismos para impedir os muito nanicos de entrarem na Câmara.

Esse mecanismo passará a ser adotado no Brasil nas eleições de 2018. Os partidos vão precisar ter um desempenho mínimo nas urnas, de 1,5% do total de votos, ou ter pelo menos um deputado eleito em nove estados diferentes, para ter acesso a tempo na TV e fundo partidário.

Ou seja, os partidos não vão perder o direito de representa­tividade, mas serão impedidos de usar a máquina estatal. Nas eleições seguintes, essa barra vai subir e muitos político devem mudar de partido para terem acesso a mais recursos. Além disso, em 2020, serão barradas as coligações em eleições ao Legislativ­o.

“Estamos vivendo o ápice dessa fragmentaç­ão. Com a nova lei da cláusula de desempenho, os deputados dos partidos muito pequenos devem migrar para outros maiores”, diz Nicolau.

Para Bolognesi, esse mecanismo pode ter o efeito colateral de impedir alguns partidos minoritári­os e bem intenciona­dos de participar­em do Legislativ­o.

Mas, para ele, o efeito no geral é positivo, porque o número de oportunist­as barrados será bem maior.

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