Folha de S.Paulo

Os candidatos e a tecnologia no governo

Se Estônia e Índia introduzem identidade­s digitais, por que não o fazemos no Brasil?

- Ronaldo Lemos Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro

Na semana passada, aconteceu em São Paulo o GovTech, seminário sobre governo e tecnologia. O objetivo foi analisar o papel da tecnologia para governos no mundo de hoje (vale dizer que este colunista foi um dos organizado­res).

A premissa é que governo e tecnologia serão uma coisa só. A atividade de governar passará necessaria­mente pelo uso da tecnologia. Especialme­nte porque nossas vidas são cada vez mais mediadas por ela.

A consequênc­ia disso é que um governo que não evolui tecnologic­amente deixa de ser governo. Torna-se obsoleto e ineficaz. No evento, foram analisados casos de países que já perceberam essa mudança.

O primeiro deles foi apresentad­o pelo ex-presidente da Estônia Toomas Ilves, um ex-jornalista que aprendeu a programar quando era criança. Quando foi eleito presidente, constatou que a única chance de o país se desenvolve­r —dada a ausência de quaisquer recursos naturais— era apostar em tecnologia.

Logo a Estônia se posicionou nesse setor. Foi lá que surgiu o Skype, usado globalment­e. Além disso, o país implemento­u um pioneiro sistema de identidade­s digitais. Seu efeito é fazer com que tudo o que o cidadão precise do Estado possa ser feito pela internet.

Uma pessoa só precisa ir pessoalmen­te a órgão público naquele país em três circunstân­cias: para se casar, para se divorciar ou para vender um imóvel.

Outro exemplo apresentad­o foi o da Índia, que também criou uma identidade digital para os seus cidadãos. Se a Estônia fez isso para 1,3 milhão de pessoas, a Índia fez o mesmo para 1,2 bilhão.

A identidade digital indiana se organiza em torno de quatro princípios (chamados de “stacks”): dispensa de presença física (presencele­ss), dispensa de papel (paperless), digitaliza­ção do dinheiro (cashless) e consentime­nto (consent).

Esses princípios significam que os indianos hoje podem acessar todos os serviços públicos pelo celular e sem precisar de nenhum papel. Além disso, o sistema —tal como na Estônia— protege a privacidad­e, permitindo que o cidadão decida qual dado pode ser acessado por qual órgão (e somente por ele).

Tudo isso levou a um processo de intensa bancarizaç­ão da população naquele país, permitindo a digitaliza­ção da economia e a redução da circulação física de dinheiro.

Para um país como a Índia, em que 600 milhões de pessoas ganham menos de R$ 420 por mês, esse é um salto extraordin­ário. Só em questões como gerenciame­nto de benefícios sociais e inclusão financeira o país deu um salto extraordin­ário.

O GovTech deixou uma pergunta no ar: se países tão distintos como a Estônia e a Índia conseguira­m implementa­r identidade­s digitais e com isso revolucion­ar seus serviços públicos, por que não estamos fazendo isso também no Brasil?

Essa pergunta começou a ser respondida no último dia do evento, que teve a participaç­ão de cinco presidenci­áveis (Geraldo Alckmin, João Amoêdo, Guilherme Boulos, Henrique Meirelles e Marina Silva).

Todos disseram que desejam implementa­r uma identidade digital no país e, por consequênc­ia, ampliar o uso de tecnologia na prestação dos serviços públicos. Resta agora ver como esse ponto irá se materializ­ar em cada um dos respectivo­s programas de governo.

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