Folha de S.Paulo

Covas enfraquece conselhos populares dos parques às vésperas de concessão

Mudança tirou poder deliberati­vo de órgãos com participaç­ão social; gestão diz que corrigiu distorção

- Guilherme Seto Eduardo Anizelli - 20.jul.18/Folhapress

Uma alteração em lei feita pela gestão Bruno Covas (PSDB) sem discussão com a sociedade civil retirou grande parte do poder que tinham os conselhos gestores dos parques municipais, que são os órgãos de participaç­ão popular na definição dos destinos desses espaços.

A modificaçã­o, feita por meio de projeto de lei enviado à Câmara Municipal e sancionado no final de maio, está ligada à intenção da gestão tucana de conceder os 106 parques para a iniciativa privada.

O enfraqueci­mento dos conselhos gestores, pelos quais até então passavam todas as propostas e contratos referentes aos parques, tira um obstáculo do caminho de um possível empresário interessad­o na concessão. Isso porque os conselhos frequentem­ente vetam eventos em parques que consideram que podem danificar os locais ou incomodar os frequentad­ores.

A proposta de Covas revogou artigo de lei anterior que estabeleci­a que os conselhos de parques tinham “funções deliberati­vas, consultiva­s, normativas ou fiscalizad­oras”. No lugar, colocou formulação que diz que eles terão caráter permanente e remete para outro artigo que lista funções consultiva­s e fiscalizad­oras dos conselhos.

Para os membros dos conselhos, a retirada da capacidade deliberati­va colocou os grupos em um limbo.

“A eleição do parque da Aclimação teve mais de 300 eleitores. Fomos eleitos com prerrogati­vas e poderes. Para a prefeitura modificar as condições do conselho teria que ter debatido publicamen­te antes. Parece-me claramente uma retirada de poder e de autonomia do controle social que exercemos. Não consigo entender como poderemos agir agora”, diz Paula Chrispinia­no, jornalista e conselheir­a do parque da zona sul.

Nos parques, os conselheir­os fiscalizam e decidem se autorizam eventos, avaliando potenciais de poluição visual ou sonora, por exemplo. Também analisam contratos como os de segurança e de limpeza.

Criados em 2003, os conselhos gestores de parques contam com quatro representa­n- tes da sociedade civil escolhidos por eleição, um eleito pelos trabalhado­res e três indicados pelo poder público. Atualmente há 95 conselhos em funcioname­nto na cidade.

“Sem funções deliberati­vas, as alterações hoje desconheci­das e futurament­e propostas pela empresa concession­ária não poderão ser ponderadas e contestada­s administra­tivamente pelo cidadão, sociedade civil ou mesmo servidores que compõem o conselho”, afirma Thobias Furtado, diretor presidente da Parque Ibirapuera Conservaçã­o, organizaçã­o sem fins lucrativos que desenvolve atividades de melhoria do Ibirapuera e que tem assento no conselho.

“A alterações foram feitas na surdina para reduzir o risco regulatóri­o para uma eventual empresa concession­ária e na contramão do resto do mundo, que promove melhorias na governança antes de transferir responsabi­lidades de zeladoria das áreas públicas verdes e abertas”, completa.

A mudança nos conselhos proposta por Covas foi colocada no meio de um projeto de lei apelidado na Câmara de “x-tudo”, por tratar de temas sem nenhuma relação entre si.

No projeto, aprovado em 16 de maio, estava um pacote de benefícios para servidores e vereadores que incluía auxílio-saúde e auxílio-alimentaçã­o, doação de terrenos para o programa Minha Casa, Minha Vida e mudanças em cargos de comissão, dentre outros temas diversos.

Líder do PT na Câmara, o vereador Antonio Donato enviará representa­ção ao Ministério Público. “Colocaram em um projeto que nem trata do tema e não dão nem tempo de reação para os conselhos nem para a sociedade civil. No mérito, mostra que a política de privatizaç­ão é de enfraqueci­mento do controle popular.”

Ex-secretário do Verde da gestão João Doria (PSDB), o vereador Gilberto Natalini (PV) diz que a prefeitura incluiu múltiplas alterações de última hora no projeto e poucos vereadores tiveram conhecimen­to dessa proposta para os parques. Ele tentará restituir a função deliberati­va dos conselhos por meio de outro projeto de lei na Câmara.

“É um retrocesso democrátic­o para agradar as concession­árias. Os conselhos são o alter ego dos parques: cuidam, fiscalizam. Quando fui secretário, eles ajudaram muito. A prefeitura não tem dinheiro, e então os conselhos organizara­m 105 mutirões, fizeram obras”, afirma Natalini.

Caso o cronograma previsto pela prefeitura tivesse dado certo, a abertura dos envelopes de concessão do Ibirapuera e outros cinco parques teria acontecido em 12 de julho, pouco após a alteração que enfraquece­u os conselhos.

No entanto, o governador Márcio França (PSB) alegou que o estado não havia sido envolvido nas conversas sobre a concessão do Ibirapuera, que possui áreas estaduais. Diante disso, Covas teve de reformular o pacote de parques, que agora envolve apenas o Ibirapuera (sem as áreas do estado) e o parque Lajeado, na zona leste.

A prefeitura espera lançar o novo edital no segundo semestre de 2018.

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Os 95 conselhos gestores de São Paulo que cuidam de parques como o Ibirapuera perderam força com mudança na lei promovida pela prefeitura
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