Folha de S.Paulo

Questão trabalhist­a faz com que desfile de Herchcovit­ch se torne caso de polícia

Fiscais e PMs entraram em evento da grife do estilista no Masp após denúncia de falta de pagamentos aos modelos

- Pedro Diniz

são paulo O que era para ser um dos desfiles mais importante­s do ano para a moda brasileira virou caso de polícia e o estopim de uma discussão sussurrada havia tempo nos bastidores da indústria.

Fiscais do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculo­s de Diversões do Estado de São Paulo, o Sated, tentaram entrar no camarim do desfile da grife À La Garçonne, no Masp, nesta segundafei­ra (13), para cobrar de seus representa­ntes, o empresário Fábio Souza e o estilista Alexandre Herchcovit­ch, explicaçõe­s sobre a situação contratual dos modelos escalados.

Impedidos pela produção do evento de entrarem no museu, os representa­ntes da entidade sindical chamaram a polícia no final do desfile para averiguar contratos. Isso aconteceu após uma denúncia feita por três agências de modelos de que a marca havia contratado jovens do interior paulista sem registro profission­al com o intuito de burlar os valores cobrados na capital.

Um terço dos participan­tes do evento foi selecionad­o via redes sociais e em locais por onde Herchcovit­ch passou. Em troca do flash, cada um receberia o look desfilado.

Pouco antes da confusão, o estilista disse ser praxe escalar nomes de fora do circuito. Após o ocorrido, por volta do meio-dia, ele não quis mais se manifestar sobre o assunto.

O fato é que, de acordo com uma lei promulgada em 1978 e conhecida como “lei do artista”, qualquer pessoa que preste serviço como “manequim”, como era chamado o ofício, precisa de registro na Delegacia Regional do Trabalho, a DRT, e uma nota contratual para exercer a função.

Depois do imbróglio, um boletim de ocorrência foi feito e será encaminhad­o nos próximos dias ao Ministério Público do Trabalho junto a uma denúncia formal.

De acordo com a assessora jurídica do Sated, Marta Macruz, a marca teria se aproveitad­o “do sonho de pessoas em vir à cidade com a promessa de se tornar celebridad­e, oferecendo serviços de graça ou sem remuneraçã­o adequada”.

Ela vê com ressalvas a contrataçã­o de pessoas sem registro com a desculpa de “exaltar a diversidad­e”, lembrando a justificat­iva da marca. “Uma coisa é chamar poucos amigos para desfilar, outra é chamar mais de 20 pessoas sem pagar cachê. Não é uma festa, é trabalho”, diz a advogada.

Também de acordo com ela, os modelos profission­ais que participar­am do evento receberiam R$ 300 sem os descontos da agência. A grife de Herchcovit­ch disse que faria os pagamentos em três meses.

Já seria uma vitória. O período de crise que a moda brasileira atravessa revelou uma face oculta da profissão de modelo. Nos últimos anos, atrasos e calotes se tornaram cada vez mais comuns. Tudo indica também que a velha prática de trocar trabalho por roupas voltou a fazer parte da realidade dos aspirantes a estrela.

Por medo de se “queimarem” no mercado, tanto as garotas quanto as agências silenciam quando questionad­as sobre os atrasos, que podem chegar a até seis meses.

Em maio, a top Ellen Milgrau decidiu falar publicamen­te sobre o assunto. Num post no Instagram, explicou por que não participa mais da São Paulo Fashion Week, mostrando um comprovant­e de que a marca Lenny Niemeyer não havia pagado o seu cachê de quase um ano atrás.

Representa­ntes da grife em questão disseram que a responsabi­lidade pelo pagamento era da Luminosida­de, patrocinad­ora do desfile. Essa empresa era, até a temporada passada, a dona da pró- pria São Paulo Fashion Week.

Em nota, representa­ntes do evento disseram que acrise econômica obrigou a revisão de prazos dep agamentos.

Milgrau, no entanto, discorda dessa versão dos fatos. “As modelos só recebem após cobranças constantes por parte das agências”, diz. As marcas segurariam o pagamento da temporada anterior até o ultimo minuto antes da prova de roupa da estação seguinte.

“Há um entendimen­to de que as marcas que desfilam na SPFW são fodas, que dão visibilida­de. Mas eles estão cagando para nós [modelos].”

Top de renome, ela ganha mais do que os valores estipulado­s na tabela informal usada por agências para cobrar pelos trabalhos de passarela.

Esses valores variam entre A, B eC. Amais barata, aC, custa R$ 800 mais 20% da taxa da agência e costuma pagar as “new faces”, ou modelos em início de carreira no jargão fashionist­a. Tanto nos desfiles de Herchcovit­ch quanto nos de grande parte das marcas que desfilam na SPFW, os novatos são a maioria.

O Sated afirma que mudará esse entendimen­to. As agências e os modelos estão se reunindo para reformular os valores, que sofrerão reajustes no próximo mês de outubro.

“Esse é um mercado de ilusões. Meninas que não podem bancara subsistênc­ia são enganadas por mar casque não pagam pelo trabalho. Isso irá mudar”, diz o novo presidente do Sated, Dorberto Carvalho.

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Danilo Verpa/Folhapress Modelos em fila para o desfile da grife À La Garçonne, em que trabalha o estilista Alexandre Herchcovit­ch, ontem no Masp
 ?? Fotos Zé Takahashi/Divulgação ??
Fotos Zé Takahashi/Divulgação
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Looks do desfile da À La Garçonne no Masp
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Danilo Verpa/Folhapress Advogada Bruna Lins fala com PMs e Dorberto Carvalho, do Sated
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Herchcovit­ch e o empresário Fábio Souza, dono da À La Garçonne; ao lado, post da top Ellen Milgrau, no Instagram
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