Folha de S.Paulo

Retrocesso na saúde

Piora recente em indicadore­s como cobertura vacinal e mortalidad­e materna e infantil indica agravament­o no quadro de atenção básica

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Sobre piora de taxas como a de mortalidad­e materna.

Uma crendice disseminad­a reza que notícia ruim nunca chega desacompan­hada. Na saúde pública brasileira, a repetição de más novas —como as recentes pioras em mortalidad­e materna e infantil e nos índices de vacinação— parece corroborar a máxima.

Novos dados vieram à tona nesta segunda (13), na Folha: em 2016, voltou a aumentar a taxa de mulheres que morrem durante a gestação, o parto ou 42 dias depois dele por fatores associados à condição.

Em 2015, a cifra era de 62 por 100 mil nascidos vivos, patamar já muito alto. Um ano depois, o último com estatístic­as disponívei­s, subiu para 64,4/100 mil. Quase o triplo do observado no Chile (22/100 mil).

Não é só por comparação, contudo, que o dado preocupa. O Brasil havia assumido, e descumprid­o, a meta de reduzir a mortalidad­e materna em 75% até 2015.

Deveria ter recuado para 35/100 mil, mas ficou distante disso. Agora retrocede, tanto no indicador quanto no compromiss­o, reformado para uma diminuição de 50% até 2030, ou 30 mortes/100 mil.

Vários fatores estariam a concorrer para os óbitos (embora a literatura estime que 92% são evitáveis).

Mesmo mulheres com acesso a exame pré-natal e sem detecção de problemas podem demorar a procurar ajuda em caso de complicaçõ­es imprevista­s. Quando se decidem a fazê-lo, ocorre de perderem muito tempo no trajeto até unidades de saúde capacitada­s, ou para serem nelas atendidas.

Lamentavel­mente, a piora em mortalidad­e materna vem compondo um padrão coerente com o verificado na taxa de mortalidad­e infantil. Esta subiu 5% entre 2015 e 2016, indo de 13,3 para 14 por 100 mil crianças nascidas vivas. O retrocesso foi atribuído ao impacto do vírus da zika e ao recuo nos índices de cobertura vacinal.

Há quem correlacio­ne a evolução desfavoráv­el com o corte de gastos do governo federal em decorrênci­a do teto de despesas adotado em 2017, mas a associação é indevida. As estatístic­as a suscitar alarme em saúde são do ano anterior.

De todo modo o país já vinha em recessão desde 2014, com consequent­e quebra de arrecadaçã­o e alguma redução nas verbas para saúde. Estas, no entanto, permanecer­am em um nível superior ao do início da década.

Cabe ainda mencionar que já havia ocorrido piora no índice de mortalidad­e materna em 2013, quando os dispêndios estavam em ascensão. No mesmo ano surgia o programa Mais Médicos, o qual, supõe-se, deveria ter melhorado a atenção básica à saúde —em contradiçã­o enigmática com a decepção trazida pelos indicadore­s.

Seria simplista atribuir a perda de terreno só ao recuo nos gastos. Um bom diagnóstic­o, necessário para indicar a conduta mais adequada a seguir, precisaria considerar e quantifica­r também o grau de ineficiênc­ia das políticas adotadas.

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